Oitava Parte (V)

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Depois disso eu não soube mais o fazer. Quer dizer, eu não sabia mesmo o que fazer da vida. Tudo havia perdido o sentido, a culpa começava a me corroer, e a única forma de alívio que via estava no uísque. Por essa razão comecei a beber cada vez mais. Bebia tanto que tinha dias que dormia na própria espelunca por ser incapaz de voltar para casa. Passei a gastar dinheiro demais com bebida e jogos. Nada a ponto de me empobrecer, mas essa se tornou minha vida por cerca de dois nebulosos meses. Mal me lembro deles. O que lembro é de ficar muito na espelunca, bebendo e babando. Raramente chorava minhas mágoas para os outros, acho. Porém lá estava eu, me punindo do único modo que achei viável.

Com isso acabei negligenciando minha pequena e adorada Vival. Nesse tempo ela ficou aos cuidados da minha doce e benevolente irmã Suzanne. Se não fosse ela, não sei o que teria sido de minha filha. Não tenho orgulho de dizer que ela nem mesmo dormia mais no quarto comigo. Mudou-se para a cama da obesa Suzanne. Dizia que meu quarto fedia a bebida. E nem isso vindo da boca dela foi capaz de me fazer parar de me autodestruir. Foi uma fase negra e horrível. Não me lembro de muita coisa dessa época, mas o que lembro me deprime e envergonha.

Além de Vival, negligenciei o bando. Eles foram bastante educados e me deram um tempo de luto, porém logo começaram a cobrar por ação. Eu simplesmente os chamava de filhos de rameiras e mandava calarem as bocas. Eles me respeitavam e ficavam quietos por alguns dias, mas logo depois cobravam trabalhos novamente, e eu mandava que fossem tomar nos devidos cus. Essa coisa foi se enrolando por aqueles dois meses da minha vida. Isso sem contar Matilda, que sempre me ofendia de mil coisas, e me olhava com tanto ódio, que eu quase estremecia. Acho que a ignorei a maior parte do tempo. Teve dias que temi que ela entrasse no meu quarto e cortasse minha garganta com uma faca; não que eu realmente me importasse muito em morrer naqueles dias, mas não queria ser assassinado por Matilda.

Ao fim dos dois meses, outra tragédia aconteceu. Minha letárgica e inativa mãe foi acometida por diarreias, vômitos e febres terríveis. Morreu ao fim do terceiro dia. Foi uma coisa tão rápida e surpreendente como as outras mortes na família. Fui ao funeral sem nem acreditar que estava indo enterrá-la. Ao fim o padre disse aquelas baboseiras dele, e eu dei-lhe uma ou duas respostas atravessadas e ele me deixou em paz. Meu bando mal falou comigo, quer dizer, pelo menos é o que eu acho, pois não tenho uma boa memória daquele tempo. Nos dias que se seguiram Matilda ficou ainda mais azeda e insuportável, Vival ficou mais quieta, Suzanne passou a assumir o controle da casa; a loja da família foi ficando cada dia mais medíocre, e eu fiquei ainda mais deprimido, amargurado e odioso.

Uma ou duas semanas depois de eu ficar órfão de pai e mãe, eu estava no saloon, como de costume, embriagado. Lembro que já tinha vomitado no chão e dado algumas moedas para um moleque limpar aquela sujeira. Eu não tinha sentido direito nenhum dos lutos. Não teve como. Passei todo tempo bêbado. Toda vez que sentia o efeito da bebida passando, eu bebia mais, até ficar amortecido novamente. Sabia o que estava fazendo, e queria continuar. Continuar até tudo passar. Nada mais importava. Eu tinha apenas que aplacar a dor e a culpa. Não conseguia conviver com aquilo. Foi terrível.

Estava sozinho em uma mesa no canto do salão, ao lado da janela que dava na viela do lado direito da espelunca. A mesma viela cuja Abigail no dia do meu aniversário de dezesseis anos me chamou para me beijar nos fundos da espelunca. A recordação me vez virar o copo. Não queria pensar nela, não queria pensar em ninguém. Queria afogar tudo. Mas toda vez que tentava bloquear, me vinham imagens rápidas dela, de Jenny e até da menina que estuprei.

Não percebi quando Boca, Johnse e Bill se aproximaram de mim. Estava absorto demais pensando em não pensar nos beijos de Abigail.

Estava tão desligado e desatento que também não percebi quando Boca enfiou a mão no meu coldre e tirou meu revólver de lá. O revólver que fora do velho Eldred. Só me apercebi da presença deles quando eles vieram na minha frente. Os irmãos Whitaker ficaram em pé ao lado da mesa, a minha esquerda, e Boca sentou-se na cadeira na minha frente. O salão estava barulhento como sempre. Rob tocava seu piano feliz, putas gargalhavam, homens xingavam e comemoravam, e a vida seguia em frente, como sempre.

Um Caminho Para o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora