Um Caminho Para o Inferno

Terceira Parte (III)

O coelho estava sem gosto para mim, e me perguntei se minha mãe tinha se lembrado de colocar o sal.

Dessa vez eu estava sentado ao lado esquerdo de meu pai na mesa de jantar. Via Matilda a minha frente, e atrás dela, estava a cozinha espaçosa onde minha mãe ficava a maior parte do tempo.

Desde o dia que Matilda tomou o tapa na cara, nós não nos falamos. Na verdade, não me lembro dela ter dirigido a palavra a ninguém. O humor de minha irmã apenas melhorou, curiosamente, quando Bob morreu. Tanto que na mesa era ela quem conservava a face com a expressão mais tranquila. Acho que meus pais estavam preocupados além de tristes. Eles deviam pensar que poderia ter sido eu naquele caixão. Senti um arrepio ao me imaginar tropeçando em uma pedra traiçoeira, e caindo de cara nos dormentes.

- Foi culpa sua – anunciou Matilda, e olhei para ela com certa surpresa. Não deixaria que ela fizesse isso comigo. Prometi para mim mesmo que não me deixaria irritar. Porém já sentia ódio. – Bob morreu por sua culpa, você sabe. Se tivesse sido mais rápido, ou mais esperto, ele não estaria despedaçado.

- Matilda! – meu pai advertiu. Eu a olhava de modo hostil.

Minha mãe e Suzanne ficaram tensas, e eu voltei a comer. Ignorando-a. Meu sangue fervia.

- Ele era tão pequeno, tão frágil. O garoto confiava em você, seu inútil – ela segurava o garfo, mas o pedaço de coelho com batatas permanecia intocado em seu prato. Sentia toda aquela estranha raiva acumulada decorrente da morte de Bob subir para minha cabeça. – O garoto esperava que...

- Matilda! – meu pai advertiu novamente, e vi que estava ficando cansado daquela porra toda entre nós dois.

- ...você o salvasse – ela o ignorou, e eu a olhei, furioso. Ela não tinha o direito de dizer aquilo. – Ele contava que você estivesse lá...

- Cale-se! – rosnou meu pai. Sentia minhas bochechas vermelhas de raiva.

- ...mas você apenas assistiu o trem passar na cabeça dele, o transform...

- Cale a boca, sua cadela chupa-pau! – berrei para ela, dando um soco na mesa, cego de raiva, sentindo vontade de que ela estivesse embaixo do trem, sendo feita em três pedaços sangrentos e disformes.

E então, sem que eu esperasse, meu pai esbofeteou-me com tanta força, que senti minha face direita amortecida. Matilda soltou uma breve e estridente gargalhada, e todos se calaram.

Tenho vergonha de dizer que chorei um pouco em silêncio na mesa. Meu pai olhava odioso de mim para Matilda.

- Estou cansado dessa porra! Todo jantar é essa merda! – ele estava mesmo nervoso, e isso afogou um pouco minha raiva suicida. – A partir de hoje, se provocarem-se uma vez mais que seja na minha presença, vou botá-los para comer com os malditos cavalos!

Ele estava mais transtornado do que eu. Acho que não gostava de bater em nós. Eu, por incrível que pareça, não fiquei muito nervoso com ele. Estava triste demais para isso. Me senti muito pior na vez em que ele puxou-me a orelha. Dessa vez, apenas engoli o pouco de sangue que se formou na minha boca, devido a minha bochecha ter se cortado por dentro, e tentei não olhar para Matilda.

Para dizer a verdade, até gostei um pouco de levar aquele tapa. Parece estranho, mas é verdade. Sentia que merecia alguma espécie de punição. Conforme o latejar foi deixando a área afetada e vermelha do bofetão, fui gradualmente me sentindo melhor em relação a toda a tragédia que envolvia Bob. Não me pergunte o porquê disso. Era como se a conversa com o padre, seguida do tapa, me fizessem me sentir redimido diante dos meus próprios olhos. Odeio me sentir culpado. Essa porra me corrói. Acho que no fundo usava qualquer artifício para deixar de me sentir assim.

Eldred pai ainda bufava na mesa, tentando comer. Matilda conservava um sorriso estúpido na boca.

- Coloco os dois para comer com os cavalos – ele ameaçou de novo.

Mas não precisou. Meu pai nunca cumpriu a ameaça, porque eu e Matilda nunca mais nos provocamos na frente dele.

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