Nona Parte (VI)

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Eu sei, eu poderia ter ido para qualquer lugar. Para qualquer lugar mesmo, porém escolhi voltar para minha velha cidade. Por que fiz isso? Bem, acho que depois de reencontrar Harold, Boca e os outros, alguma chama antiga e há muito apagada acendeu-se em mim. Fiquei feliz em estar em contato com aquele velho passado tão importante. Então fui atingido por uma curiosidade perversa. Queria ver minhas irmãs de novo, queria saber o que pensavam do tempo em que passei fora, gostaria de ver suas caras de espanto ao me ver. Fiquei com isso cozinhando na minha cabeça por alguns dias antes de tomar a decisão. E outra, tinha que ver minha antiga casa, tinha que visitar os túmulos de pessoas tão queridas. De alguma maneira, devia isso a Jenny. Portanto eu fui. Voltei a Green Rock depois de dezenove anos.

A verdade é que a cidade tinha mudado pouco no tempo que passei fora. Quando cheguei, era fim de tarde, e eu estava cansado e com fome de alguma comida quente. É bem diferente fazer essas viagens quando se está velho. Meus ossos doíam, meu estomago doía, tudo estralava, minhas costas me torturavam.

Mesmo assim, quando cheguei, não fui diretamente para casa. Resolvi dar uma volta na pequena cidade. Sabia que ninguém me reconheceria sacolejando sobre Abóbora. Não vinte anos mais velho e com aquela venda no olho.

Cheguei pela estradinha que ligava a cidade até Newhill. Logo que entrei vi minha casa. Ela continuava absolutamente a mesma, e ao vê-la, senti uma onda quase dolorida de saudade. Tantas coisas tinham se passado ali, naquela casa de madeira. De repente vi uma sombra gorda saindo pela porta e descendo as escadas do alpendre. Era Suzanne. De longe, era visível que ela tinha engordado ainda mais, porém era a única coisa que podia ter certeza, já que estava longe demais para ver sua fisionomia. Engoli seco, sem saber por que. Não sabia o que sentir ao ver minha irmã e minha casa. Soube apenas que apesar dos anos fora, eu não tinha realmente me esquecido de nada, de nem um detalhe. A única coisa que mudou na fachada da minha antiga morada foi o fato do modesto jardim que minha mãe cultivava na frente da casa não existir mais. Agora havia uma horta pequena nos jardins da casa. Suzanne, que trajava um vestido claro de mangas longas, estava se agachando ali perto. O vento era gelado com a proximidade do inverno.

Segui caminho pela estradinha, sem reduzir o ritmo. Mais tarde voltaria.

Antes, naquele trecho da entrada de Green Rock, tinha apenas a casa do meu pai. Depois a família Jefferson construiu a sua praticamente na frente da minha, e era só. Agora, no entanto, havia mais residências de madeira construídas no trecho da estradinha, aquilo não parecia tão deserto quanto no passado. Casas compunham os dois lados do caminho de terra batida que levava diretamente para a rua principal de Green Rock. Já nessa via não ocorreram grandes transformações. Via apenas placas novas e alguns estabelecimentos reformados, mas nada que valesse quase vinte anos de evolução. Olhei para esquerda e vi a antiga Grãos do Butler, a loja de minha família, que agora era administrada por minhas irmãs. Puta merda, Boca tinha razão, o comércio havia dobrado de tamanho, e dava ares de prosperidade. Naquele fim de tarde quase gelado, a loja estava fechada. Agora ao invés de uma porta, tinham duas; a placa era nova e caprichada. A loja em si era pintada de branco, igual a igreja do padre Martin. Sorri. Fiquei alegre por ver que minhas irmãs estavam sendo bem sucedidas. Mesmo ainda tendo minhas reservas com Matilda. Era bom observar a antiga e medíocre loja de meu pai sendo transformada em um comércio de sucesso. O que o velho Eldred diria ao vê-la?

Segui rua abaixo, rumo leste, sorrindo. Confesso que estava um pouco emocionado de perambular por ali outra vez. Houve dias que realmente não acreditava que voltaria. Houve dias em que estava tão amargurado, que não queria nunca mais voltar. Mas ali estava eu, passando pela igreja branca, porém já desbotada do meu amigo padre Martin. Olhei ansiosamente para a porta dupla, mas elas estavam fechadas. O céu estava começando a ficar nebuloso, e o vento, cada vez mais forte. Olhei para a direita, o lado oposto da igreja, e vi meu querido Saloon G. A espelunca havia passado por um processo de pintura, aparentemente há alguns anos atrás, visto que a tinta amarela já não estava tão visível. Os vidros das janelas eram novos, e a placa também. Enquanto Abóbora caminhava de forma indolente, pude dar uma espiada lá dentro. Estava escuro, mesmo assim divisei o balcão do qual meu pai me puxou pela orelha há tantos anos. Ao lembrar-me disso sorri ainda mais. Não cheguei a sentir vontade de chorar, contudo, foi quase isso mesmo.

Um Caminho Para o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora