Oitava Parte (III)

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É estranho as coisas que lembramos. Quando me recordo daquela terrível tarde, a coisa que mais me vem aos miolos são lençóis. Isso mesmo, lençóis. Acho que foi porque a última vez que a vi com vida foi entre os lençóis brancos que ela pendurava no varal, ao lado do estábulo. Era uma tarde de sol, e tudo ali estava mais claro que o normal devido a luminosidade que os pedaços de pano brancos refletiam. E ela estava ali, em meio a eles, com o último ainda nas mãos, pronto para colocá-lo na corda para secar. Ninguém mais estava ali, apenas eu e ela, era como uma mágica. Hoje quando me lembro da última vez que a vi viva, é como se fosse um momento mágico; ela ali, em meio à claridade quase sobrenatural do sol refletido nos lençóis, com os cabelos presos. Gostaria de dizer que senti alguma coisa naquele momento. Gostaria de contar que algo se apertou em meu coração, que tive alguma espécie de premonição. Mas não. Não senti absolutamente nada além do normal. Contudo, agrada-me a lembrança que tenho dela, a última. É uma recordação borrada de luminosidade e claridade. Lembro-me dela ali, em meio ao varal, me olhando, meio que sorrindo, com os cabelos presos de qualquer maneira atrás da cabeça, e então de repente um vento bateu e um lençol entrou entre eu e ela, e foi então que me virei para ir a espelunca beber ainda em comemoração ao sucesso do maldito roubo. Gostaria de dizer que trocamos alguma palavra, alguma última palavra, algum último eu te amo, mas não. Nem mesmo lembro quando foi a última vez que lhe disse te amo. Eu simplesmente saí de casa e passei por ela, que estava ali, ao lado do estábulo. Eu a vi. Ela me viu. O vento bateu. E eu segui adiante. Foi assim. Simples assim.

Três horas depois um moleque remelento entrou correndo no Saloon G, procurando por mim. Quando me achou, eu já estava bêbado e fedendo a uísque. O garoto gritava dentro daquela maldita espelunca.

- Senhor, Eldred! Senhor, Eldred!

Eu estava no balcão, bebendo com os homens. Nós estávamos felizes. Eu estava contente e realizado. Talvez nunca estivera mais realizado em toda minha vida. Tinha conseguido o que queria. Isso não dizia obviamente que eu pararia meus trabalhos, ou me aposentaria de alguma maneira. Isso dizia apenas que eu estava no rumo certo, e faria mais dinheiro, muito mais. Realmente acreditava nessa porcaria toda. Acreditava que seria um líder duradouro, que ganharia cada vez mais o respeito dos homens, e me tornaria grande. Acho que foi a última vez que fiquei completamente feliz. Bom, acho que a palavra é mesmo completo. Deve ter sido a última vez que senti-me de fato completo. Nunca imaginaria que aquele moleque barulhento acabaria com tudo. Acho estranho olhar para trás e notar que esse foi o momento onde tudo virou. Ali, naqueles gritos agudos estava o começo do fim.

- Senhor, Eldred! Tiros!

Todo salão se calou.

- O quê? – estranhei, embriagado.

- Tiros na sua casa, senhor!

Meu coração sacolejou e de repente eu soube de tudo. Em um segundo soube que eram Peter e Augustus.

Olhei apavorado para Boca, que me fitava sério, e saí correndo, derrubando meu copo de uísque.

Quando saí da espelunca, já estava com meu revólver engatilhado na mão. Havia gente na rua, mexericando e me olhando assustadas. Não reparei se o padre Martin estava na porta da igreja. Pensava apenas na minha família. Porque tiros na minha casa? O que tinha acontecido? Perdi meu chapéu em algum lugar no meio do caminho, e quase não notei. Apenas corria desenfreadamente, com meu revólver na mão e o medo no peito.

Quando cheguei bufando na frente da minha casa, não notei nada de anormal, a não ser a presença de Brian, Marie e a filha deles, aquela que roubou o cão de Vival, na estradinha. Eles não ousaram entrar na minha propriedade, mas pareciam assustados. Não dei-lhes atenção e corri até a porta.

Um Caminho Para o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora