Sexta Parte (VII)

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Eustace finalmente conseguiu entender como funcionavam os roubos de gado e nos lançou nesse ramo. Confesso que a coisa era boa.

Ele planejou três trabalhos nos campos. Desejava agir rápido para que ninguém desse falta dos animais, e em duas semanas tivemos três trabalhos ferozes e lucrativos. O único trabalho sem vítimas foi o primeiro, quando roubamos alguns gados da fazenda de Augustus. Foi um deleite roubar aqueles animais e saber que estava tirando dinheiro dele. Porém, os outros dois trabalhos foram violentos, e matei um homem em cada. Eustace matou outro. Johnse levou um tiro no braço, mas sobreviveu sem maiores problemas. Fiquei assustado, pois eu mesmo nunca tinha levado um tiro. Às vezes quase acreditava nas proteções que padre Martin lançava sobre mim, dizendo: "Que Deus te proteja". Será que me protegia? Sabia que não protegia porcaria nenhuma, embora em momentos como esses, ficasse em dúvida.

Esses dois últimos trabalhos foram sanguinolentos por conta que Eustace optou por roubar gado das comitivas que iam do Texas para o Kansas. Sendo assim, atacávamos as carroças e tentávamos manter a coisa em paz, porém ninguém entregaria o gado facilmente, de modo que homens acabaram morrendo. O resto, os que sobreviveram, nós deixamos ir. Estávamos protegidos pelos nossos lenços e chapéus. Ninguém nunca nos reconheceria.

- Você trai muito sua esposa? – perguntei para Boca quando terminamos o terceiro trabalho. Eustace, Bill e Johnse tinham ido vender o gado roubado em Kansas. Johnse ainda estava com uma bandagem no braço pelo tiro levado no segundo roubo às comitivas.

- Quer saber se traio Judith? – Boca já estava bêbado. Aliás, nós dois estávamos. Nos encontrávamos em um saloon, obviamente.

- Exatamente. Você trai Judith? – estava sentado em um dos bancos no balcão, em Tortuga. Cada vez que lembrava que aquele filho da puta do tio Herbert morava lá, e tinha prosperado graças ao roubo que nos aplicou, tinha vontade de ir lá matá-lo.

Não havia contado essa história para ninguém. Era uma pequena humilhação para mim.

- Ora, é claro que traio. Você sabe, já viu! – ele gargalhou. Trajava seu casaco fedido e rasgado. Por baixo envergava uma camisa e um colete. Tudo bastante sujo. Eu também vestia algo semelhante, porém menos imundo que aquilo. Pedia para Jenny lavar minha roupa às vezes.

- Sim, já vi – eu estava bêbado e atormentado por ainda me encontrar com Abigail. – Mas quero saber se é o certo.

Boca virou um copo de uísque e pediu outro. Estávamos felizes por Eustace ter ido vender o gado apenas com os irmãos Whitaker. Harold nunca fazia isso. Sempre arrastava o bando todo para onde precisava ir.

- Certo creio que não é. Somos casados, Eldred. Temos filhos – ele me olhou com aqueles olhos disformes, um menor que o outro. – Além do mais, fizemos votos na igreja.

Pensei um pouco no que ele falou, e fiquei deprimido. Acho que foi o uísque. Já tinha estado bêbado e agora estava começando a passar. Com isso veio a tristeza. Por isso pedi outra dose.

- Gostaria de não ter que trair. Já fazemos coisas erradas demais! – sugeriu ele.

- Sério? – minha voz saiu estrangulada.

- Claro que não, seu moleque idiota! – ele gargalhou outra vez. Sua risada foi abafada pelo barulho do saloon, que era maior que o de Steve. – Você acha que me importo? Com tudo de errado que já fizemos, acha que uma puta aqui e uma cadelinha ali vai nos condenar? Já estamos condenados, garoto! – de repente Boca ficou azedo e bebeu mais um copo de uísque.

- Então não tem problema trair nossas esposas? – indaguei, porque ainda estava preocupado, e bêbado como estava, queria uma resposta.

- Não tem problema, coma quantas vadias quiser – concedeu ainda com azedume. – Já estamos condenados mesmo – acrescentou embriagado, acho que para si mesmo.

Um Caminho Para o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora