Nona Parte (II)

38 8 0
                                    

Obviamente o encontro se deu na melhor espelunca da cidade. O saloon chamava-se Tico Amarillo, e era de três irmãs mestiças que herdaram o negócio do pai americano depois que ele morreu na guerra que perdemos contra o norte. Eu, que na época era uma alma pacífica, nem ao menos pensei em me alistar para aquela porcaria toda. Fiquei bem quietinho até que aquela porra terminasse.

O Tico Amarillo era maior do que a espelunca de Steve, e mais bem iluminado. O papel de parede era amarelo com gravuras medíocres de pássaros mais amarelos ainda. Um candelabro pendurava-se do teto. O balcão ficava ao fundo, com as três irmãs gordas e felizes servindo os bêbados. E foi no balcão que encontrei Harold. Sentei-me ao lado dele, e não nos reconhecemos por uns bons vinte minutos. Quando fui pegar outro copo de uísque que uma das gordas me oferecia, dei de cara com aquele rosto feio e velho. Ao vê-lo eu fiquei paralisado, sem saber se o que via era real. Ele sorriu ao me reconhecer, e vi que não tinha mais nenhum dente na boca. Era mesmo Harold.

Bom, se eu me achava um ser decadente, Harold então era a decadência triste em pessoa. A não ser por dois tufos de cabelo branco e desgrenhado acima das orelhas, Harold estava careca. A pele de sua cabeça estava queimada de sol. Sua barba ainda estava lá do mesmo modo que me lembrava, porém inteiramente branca. Sua cara ficou ainda mais enrugada, e ele havia emagrecido. Tinha se tornado um velho banal. Fiquei subitamente deprimido pelo seu declínio. Harold usava uma camisa marrom com as mangas puxadas até o cotovelo, assim como eu. Era um princípio de noite quente de junho.

- Ora se não é o jovem Eldred! – ele cacarejou contente.

- Harold! – tive ímpetos de abraçá-lo, mas não o fiz. Apenas dei três tapas em suas costas de velho. Quantos anos ele tinha? Provavelmente algo perto dos sessenta e cinco.

Ele bebeu um gole de uísque e fez uma careta.

- Venha, vamos sentar em uma mesa – ele convidou e eu o segui.

Caminhamos pelo salão repleto de mesas cheias e jubilosas. Eu estava alegre de um modo que não ficava há provavelmente dezenove anos. Meu coração até batia mais forte.

Harold foi até uma mesa pequena e vazia para dois lugares, encostada a uma janela na parede oposta a do balcão. Duas meninas jovens, provavelmente filhas das gordas donas do lugar, serviam as bebidas. Um piano tocado por um velho careca acompanhava uma menina de uns treze anos cantando agudamente. Vi homens jogando pôquer e três putas. Uma delas sentada no colo de um obeso jogando cartas logo ali. Era um ambiente que sempre gostei. Sempre, desde pequeno, e outra vez estava ali com o velho Harold.

Ficamos um tempo apenas olhando para a cara um do outro. Bebemos dois goles de uísque e depois acendemos um cigarro cada.

- Você está velho e feio, Eldred! Quantos anos têm?

- Quarenta e dois, senhor – de repente voltei a ser um moleque idiota que de alguma maneira sentia-se intimidado por ele.

Ele pareceu gostar do tratamento, e sorriu, mostrando as gengivas.

- E o que aconteceu com seu olho?

- Uns bastardos tentaram tirar ele fora, senhor.

- Você os matou, espero – ele ainda sorria.

- Sim, senhor!

Ele ofereceu-me o copo para brindarmos.

- Agora conte-me, o que aconteceu depois que parti. Não sei de mais nada. Mais nada – apesar de Harold ainda mostrar-me as gengivas, agora eu via o peso dos anos naquele sorriso. Bebi mais um gole e traguei antes de começar.

Um Caminho Para o InfernoOnde histórias criam vida. Descubra agora