Quarta Parte (IV)

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No primeiro dia de viagem pela estrada de terra que seguia por pastos pobres até o oeste, nem eu nem Matilda nos falamos muito. Conversamos apenas o básico nos momentos de refeição. A primeira noite passamos em Newhill, uma cidadezinha entre Green Rock e Tortuga. Apesar de estarmos com pouco dinheiro, minha irmã fez questão de que dormíssemos em quartos separados. Não liguei, tanto melhor não dividir quarto com aquela cobra.

Na manhã seguinte Matilda parecia pensativa enquanto prosseguíamos lentamente pela estrada sobre nossos cavalos. De repente também me vi refletindo no que fazíamos ali. Só de pensar que meu tio estava de algum modo nos privando do dinheiro de meu pai, meu sangue já fervilhava de fúria. Era uma injustiça tão grande, que constantemente me imaginava agredindo meu tio de alguma maneira. Cheguei até a vislumbrar-me apontando-lhe uma arma. Conseguia ver a cara gorda em uma expressão de terror. Tio Herbert suava, e parecia um porco, por algum motivo...

Subitamente parei de ter esses pensamentos infantis. E então me perguntei o que Harold faria em minha situação. Seguramente iria conversar com ele, do mesmo modo que estávamos fazendo, porque até o momento meu tio não tinha feito nada demais. Nem mesmo havia se negado a devolver o dinheiro. Apenas comentou que ainda não tinha obtido lucros. Naquele dia, na estrada poeirenta, eu não estava muito apreensivo (apesar da raiva que sentia ao imaginar-me sem o dinheiro), fantasiava que o tio Herbert devolveria a quantia com uma expressão triste, se desculpando por não nos oferecer o valor duplicado ou triplicado. Eu não passava de um tolo mesmo.

- Falta muito? – Matilda perguntou de repente, me tirando de devaneios profundos. Acho que ela perguntou isso apenas para puxar conversa, já que ela sabia tão bem quanto eu que chegaríamos a Tortuga em umas duas ou três horas.

- Não muito – repliquei sem olhar para ela, que ia a minha esquerda. Matilda vestia calças de brim, camisa de linho e botas altas. Os cabelos estavam soltos e com aparência selvagem.

- Quanto tempo acha que tio Herbert levará para devolver o dinheiro? – minha irmã montava Zig, um cavalo cinzento pescoçudo que possuíamos, e eu ia em Hans.

- Acho que não demorará muito – comentei despreocupadamente.

- Por que acha isso? – Matilda pareceu verdadeiramente interessada, e até arriscou uma olhadela para mim.

A pastagem em torno do caminho até Tortuga estava um pouco mais farta e verdejante, e algumas vacas comiam preguiçosamente por ali. A estrada estava também mais movimentada com a proximidade da cidade. Uma carroça carregada de lã vinha em nossa direção. Eu abaixei o lenço amarelo que trazia no nariz, de modo que ele ficou caído no meu pescoço. Usava esse lenço para proteger-me da poeira da viagem. Trajava uma camisa de linho xadrez e um colete de couro por cima. Também envergava um chapéu ainda um tanto grande para minha cabeça.

- Porque ele é nosso tio. Irmão de nosso pai. Por que nos negaria devolver o dinheiro rapidamente?

- Talvez porque ele prefira ficar com o dinheiro para ele, idiota – não havia muito ódio em sua fala, apenas um pouco de medo, acho.

- Ele é nosso tio – repeti, ignorando o insulto. Agora também tinha ficado com certas dúvidas. – Você acha que ele ficaria com o dinheiro para ele?

- O que realmente o impede? Eu? Você? – ela riu. – Se o safado quiser, ele fica com tudo para ele.

Não tinha certeza se nosso tio realmente faria algo assim. Fiquei assustado.

- Acho que ele não seria capaz – argumentei parvamente enquanto Hans me sacudia de forma suave debaixo do sol de verão. Eu suava.

- Espero que tenha razão, irmãozinho, realmente espero – ela falou quase carinhosamente, embora eu notasse uma tensa nota de pavor em sua voz.

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