Capítulo 8

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Música sugerida para leitura: Maroon 5 - Come Away to the Water


            Assim que alcancei o alto da montanha do castelo de Hades o meu corpo parecia cansado, tenso e totalmente esgotado. Sentei nas pedras e relaxei meu corpo encostando a cabeça no chão, admirando as estrelas e controlando a respiração. O céu estava lindo e anunciava um belo dia de sol, mas eu só conseguia lembrar da gosma preta que impregnava meu vestido e todo o meu corpo.  Tentei reunir forças para levantar e seguir para um banho mas assim que abri os olhos me deparei com Hades me encarando.
            – Isso que eu chamo de independência. Ninguém precisou te defender e você ainda salvou um dos alunos.
            – Um dos alunos? Ele se chama Leandro e é o seu filho – tá certo, não precisava começar uma reconciliação de família e eu não imaginava Hades em uma ceia de Natal, mas não custava nada despertar o interesse.
            – Eu sei... Obrigado. Vem, vou te ajudar a chegar no quarto.
            Hades passou o braço pela minha cintura e me ajudou a levantar. Pela primeira vez senti o quanto seu corpo estava tenso e sua expressão era vazia. Os Enviados estavam causando problemas a todas as pessoas que se aproximavam de mim, incluindo inocentes que deram o azar de cruzar o meu caminho. E naquele momento de compaixão soube exatamente o que deveria fazer para não ferir quem não merecia.
            Assim que chegamos ao quarto dei um sorriso de agradecimento a Hades e segui para uma ducha fervendo enquanto tentava organizar a minha estratégia em passos simples:

·         Passo 1 – Eu voltaria para minha casa em Belo Vale;
·         Passo 2 – Eu enfrentaria os últimos Enviados sozinha;
·         Passo 3 – Eu tentaria não morrer no Passo 2.

Mas uma heroína não sobreviveria com tantas dores no corpo. Eu precisava cochilar alguns minutos e relaxar na cama macia e aconchegante. Só alguns minutos e eu estaria pronta para mais uma rodada.

Acordei com a luz do luar entrando pela janela e atingindo diretamente o meu olho. Me espreguicei lentamente, tentando aproveitar o momento de conforto e paz. Infelizmente esses momentos eram raros. Como se minha mente adivinhasse alguém bateu na porta.
– Pode entrar – gritei sem animo mas sem imaginar quem era.
– Boa noite, Helen.
            Era ele, com toda o poder no caminhar e uma luminosidade tão forte. Sua barba estava impecavelmente branca e seu semblante era um misto de cansaço com ternura. Zeus foi até a cama e me deu um abraço gentil e um beijo na testa antes de sentar na beirada do colchão.
            – Eu não imaginei te encontrar tão cedo...
            – Somos dois. Juro que tentei me manter afastada.
            – Eu tenho certeza que sim, Helen. Bem, nem sei por onde começar. Pelo visto Celena já te explicou sobre Martha e seu péssimo caráter. A história está clara pra você?
            – Zeus, eu já entendi o mais importante: ela me quer morta. Qualquer coisa além disso não é tão relevante– ele sorriu.
            – Certo. Segundo ponto você está voando e tendo visões com os Enviados. Isso está ocorrendo há quanto tempo?
            – Algumas horas... tive a primeira visão com o último Enviado no Instituto. Mas no penúltimo eu senti uma força descontrolada quando o vi atacando Euro, consegui aniquilar com o bicho sem fazer muito esforço. Em seguida consegui voar... do nada. Acho que isso foi a melhor coisa no meio disso tudo.
            – Tenho certeza que sim. Então vamos lá, Celena comentou algo sobre você virar uma semi-deusa. Eu poderia chamar a minha filha de louca se não soubesse dos seus rasantes pela cidade e suas visões realistas. Eu posso dizer que seu estado é transitório e está ocorrendo em função da magia que Martha está invocando para te atingir. De alguma forma essa magia está formando um laço com você, um elo forte o suficiente para te envolver e te tornar tão mágica quanto os Enviados. Isso nunca havia acontecido, mas aparentemente é a explicação mais lógica que eu tenho para te oferecer. Talvez nem Martha saiba desse efeito e provavelmente ela deve estar achando divertido essa reviravolta pois deixou seu jogo doentio mais emocionante. Você está me acompanhando?
            – Virei uma semi-deusa e consigo voar. Ok. Mas só terei esses poderes até o fim dos ataques, certo?
            – Como disse antes esse tipo de mudança não têm precedentes. Não sei se você vai sobreviver ao último sobrevivente e continuar voando por aí. Acho que o tempo vai nos trazer essas respostas. Mas creio que agora o foco é te manter viva, o que vier depois é lucro.
            – Certo. Já tenho uma estratégia em mente: ir para casa.
            – Acho válido. Nem aqui nem no Instituto conseguimos te manter a salvo e ainda colocamos a vida de terceiros em jogo. Acho que você demonstrou que sabe se virar sozinha e tenho certeza que Hades poderá liberar Euro para te ajudar. Tinha pensado em te levar para o Olimpo mas... Sebastian não achou uma boa ideia.
            Senti meu estomago contorcer só em ouvir seu nome e todo o meu corpo foi envolvido por um frio inexplicável. Tentei focar meu olhar em qualquer ponto distante dos olhos de Zeus, senti que ele poderia ler minha reação e pensar que eu ainda era a idiota apaixonada. Não queria lhe dar essa satisfação. Então apenas fiz um gesto de descaso e sustentei o olhar de indiferença.
            – Eu também não acho uma boa ideia. Tenho certeza de que tudo ficará bem, mesmo longe do Olimpo.
            – Certo. Só acho que preciso te falar outra coisa, antes que outra pessoa resolva te contar da maneira errada. Sebastian está noivo de Régia, vão anunciar o casamento publicamente no último final de semana do mês.
            Senti novamente uma onda de náusea, mas dessa vez não era por tristeza, era muito pior. Sebastian tinha mentido pra mim, desde sempre. Quando me contou que Régia não era ninguém, quando me disse que ainda me amava, quando sustentou um olhar cheio de mentiras. Eu tinha sido uma estúpida por acreditar nas suas palavras e por um dia ter confiado tanto em uma pessoa tão egoísta e dissimulada. Pela primeira vez senti meu coração se fechar completamente para qualquer sentimento bom que um dia tive por Sebastian, no lugar ficou apenas uma mancha negra e suja.
            – Bem... felicidade para os noivos – sorri de forma sincera e pude sentir uma faísca de surpresa em seu olhar.
            – Acho que todos os recados foram dados. Vou enviar alguns dos meus homens para Belo Vale, eles poderão te ajudar nos próximos ataques. Martha é doentia e tenho certeza que ela voltará a te procurar e nesse momento meus homens devem trazê-la para mim.
            – Contanto que eles não fiquem no meu caminho, tudo bem.
      
            Zeus foi embora com um aceno rápido e me senti cansada e nervosa quando ele se foi. Tantas informações, tantas novidades e tantas mudanças. Eu deveria estar mal por Sebastian, mas na verdade me sentia... livre. Levantei e admirei a linda lua cheia que iluminava todo o cenário escuro e sombrio do reino de Hades. Alguns meses atrás eu tinha odiado aquele lugar, nesse momento eu o achava seguro e acolhedor.
            – Muitas visitas? – Euro entrou vestindo apenas uma calça preta, seu pescoço tinha alguns curativos e seu cabelo estava mais bagunçando que o de costume.
            – Nenhuma importante. Como você está? Fiquei assustada.
            – Estou bem, Hades tem muitos poderes. Que orgulho da sua independência e da sua autonomia. Nem tenho mais serventia como guardião... droga.
            – Ainda preciso de um amigo, se tiver interesse na vaga.
            – Pensei que fosse mais do que um amigo. Regredimos em que momento? – seu rosto exibia um sorriso mas sua voz era fria e desconfortável. Caminhei até a cama me enrolei nos cobertores, precisaria reunir alguma força para seguir com meu discurso.
            – Euro eu realmente adoro ficar com você. Nossas noites são... quentes e você me traz uma segurança enorme, mas não é amor. Acho que nunca foi e creio que nunca vai ser. Temos uma química indiscutível, em todos os sentidos, é quase como combustão instantânea. Um toque e perdemos o controle.
            – E por isso devemos terminar o que não começamos? – seu sorriso tinha desaparecido de vez e seu olhar era impenetrável. Me enrolei ainda mais nas cobertas, tentando extrair forças para seguir com a conversa.
            – Basicamente sim. – suspirei – Você dormiu com a Alexandra e eu não sei exatamente até que ponto isso é indiferente. Não quero ser a mulher dramática, só quero um tempo pra organizar minha cabeça. Endente?
            – Entendo que nossos corpos se atraem e que sou louco por você. Mas respeito sua decisão, se você quer apenas um guardião é exatamente isso que farei. Sem sentimentos, apenas o meu trabalho até essa história acabar e eu voltar para o Rio das Almas.
            – Não seja dramático...
            – Não estou sendo, pelo contrário, estou sendo prático. Boa noite, Helen.
       
            Passei o resto da noite na cama, virando de um lado para o outro. O relógio já marcava três da manhã e a janela exibia uma escuridão sem fim.  Pensei nas palavras de Euro, nas explicações de Hades, nas dúvidas sobre o que me esperava em Belo Vale. No fundo eu sentia que nenhum Enviado iria me caçar temporariamente, algo no meu peito dizia que o próximo seria algo realmente grande, mas que levaria mais tempo.
            Já era quase cinco da manhã quando desisti e levantei. Peguei uma calça jeans justa, uma camiseta branca e uma sapatilha dourada que eu tanto gostava e tinha esquecido no submundo. Soltei os cabelos e encarei o pequeno espelho do banheiro, respirando fundo e com a certeza de ter um dia melhor. Sem explicações, conversas sobre relacionamentos e Enviados. Sai do quarto o mais rápido que consegui e já estava no topo da montanha de embarque e desembarque quando vi Hades admirando a bela paisagem do amanhecer.
            – O dia promete – eu disse tentando parecer casual.
            – Euro quer voltar para o Rio das Almas.
            Bom dia pra que? O importante era jogar as verdades o mais rápido possível. Euro estava sendo tão infantil. Não tinha a menor necessidade de chegar a esse ponto. Tínhamos conversado, ele tinha concordado... por que essa postura idiota?
            – Receio que você queira saber a minha opinião.
            – Por favor, senhorita, adoraria entender o que você fez para o garoto querer voltar a vagar pelo Rio. Deve ter sido algo cruel.
            – Terminei o que não começamos. Ele transou com a Alexandra.
            – Bem... então o correto seria você querer mandá-lo para o Rio – seu sorriso era grandioso e por um momento eu pensei que ele achava divertido.
            – Eu amo o Euro, de verdade, sem restrições. Contudo não posso conviver com um cara que acha que dormir com outra vai o tornar mais focado, ainda me usando como desculpa. Não consigo lidar com isso. Chame de frescura, tolice ou infantilidade, eu assumo tudo isso.
            – Eu também não saberia lidar. Gosto de exclusividade.
            – Então chegamos a algum lugar? Você vai mandá-lo ou não?
            – Não. Ele pode estar chateado mas ainda é o guerreiro mais confiável que tenho... tratando-se da sua segurança. Mas de qualquer forma, se desconfiar que ele está sendo negligente pode me procurar. Com seu recente poder de voar acredito que consiga chegar aqui bem rápido.
            – Talvez. Mas mande Euro ir até Belo Vale somente amanhã. Hoje tenho certeza que não acontecerá nada. Condigo ficar bem – tentei ter uma postura orgulhosa devido a situação.
            – Tudo bem. Boa viagem e não se esqueça de avisar caso algo maior aconteça. Os guardiões de Zeus já devem estar por lá. Você estará segura.
            Pude sentir a sinceridade em seu olhar e a certeza que eu nunca tive até aquele momento. Hades se preocupava comigo, do jeito estranho e psicótico dele, mas ainda se preocupava. Em um gesto tímido me aproximei dele e lhe dei um abraço tímido. Senti que o surpreendi, talvez se eu tivesse lhe apontado uma faca não o surpreenderia dessa forma. Alguns milésimos de segundos depois ele correspondeu o abraço, afagando meu cabelo e alisando meu braço com delicadeza.
            – Vai ficar tudo bem, garota, não vou deixar nada de acontecer.
            Nos separamos sem jeito um tempo depois e sorri como forma de agradecimento. Naquele momento eu senti que tinha um aliado, um forte e gentil aliado. Dei um último sorriso e levantei voo tentando me acalmar e me inundar pela beleza do dia que me esperava.
       
Assim que pousei na Cachoeira da Pedra senti uma vontade louca de me atirar na água gelada. Mas sabia que tinha muitas outras pendências e obrigações antes da diversão. Contudo quando me aproximei da saída de terra que dava para a minha antiga casa senti a presença de outra pessoa e antes que pudesse me defender fui atingida por uma força arrebatadora me levantando do chão. Consegui controlar meu coração disparado e assim consegui dar um belo golpe no rosto do desconhecido. Mas assim que recuperei o equilíbrio meu corpo perdeu toda a força que possuía ao encarar a pessoa.
– Se eu ficar com alguma cicatriz eu juro que te mato.
Bem ali, diante de mim, havia uma mulher levitando com folhas por todo o corpo e um vestido branco decotado. Seus olhos estavam mais azuis do que eu lembrava e sua pele tinha um tom rosado causado pelo sol. A noiva de Sebastian não estava com cara de muitos amigos.
– O que você quer? – encostei casualmente em uma árvore e comecei a olhar para as unhas curtas enquanto sentia o ódio de Régia inflamar.
– Que você suma da minha vida de uma vez por todas.
– Eu entrei na sua vida em que momento?     
– Você entrou na vida de Sebastian, por tabela está atrapalhando a nossa vida. Agora tem essa história com a mãe de Celena, aquela mulher era uma pervertida. Por que fica arrumando desculpas para se encontrar com Sebastian? Ele não te quer mais! – sua voz era estridente e tinha certeza que uma criança de 4 anos seria mais madura.
– Vamos por partes, ok? Eu não quero ver Sebastian na minha frente. Zeus já me contou do noivado e já fui avisada que nunca mais pisarei no Olimpo. Sobre Martha, eu não pedi para ela enviar monstros para me matar. Te juro que não estava na minha lista de desejos.
– É mentira! Por que você está fazendo isso? É jovem, bonita, humana... pode conseguir o cara que quiser. Por que arruinar a minha vida?
– Já disse que não quero nada com seu noivo. Já disse que não quero vê-lo. Agora suma da minha cidade e juro que nunca mais atrapalharei sua vida.
Não esperei sua resposta e segui meu caminho. Só me faltava ter Régia me seguindo e cuidando da minha vida! Sebastian só me causava problemas, nada além disso. Assim que avistei minha grande casa uma pontada de saudade e nostalgia atingiu meu peito. Lembrei da minha avó, das noites sozinhas, do jardim. E lembrei também do mais importante: tinha abandonado a casa e seguido para o apartamento de Davi.
Alcancei a porta e consegui avistar um bilhete discreto e logo reconheci a letra.

           
Karen decidiu que devemos morar juntos para testar nosso amor mas detestou sua antiga casa. Tive que mudar para o apartamento. Deixei suas coisas no seu quarto.
Ass. Davi

Certo, eu não tinha o direito de ficar chateada por isso. Não tinha mas fiquei. Ele tinha me expulsado do apartamento sem se preocupar com o que eu tinha planejado. Egoísmo ou não eu nunca faria isso com ele. Respirei fundo e reuni forças para começar a grande faxina até abrir a porta. Meus olhos não conseguiam acreditar no que viam.

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