Música sugerida pra leitura: Gragoatá - Passarinho
Deixar Lara sozinha com a Maria Clara partiu meu coração mas eu sabia que ela precisava de um tempo sozinha antes de encontrar Bruno novamente. Lara era forte, sempre tinha sido, mas esse tipo de notícia abala qualquer pessoa. Então quando sai da portaria e comecei a caminhar fui inconscientemente em direção a café onde Euro estava. No fundo eu sabia que estava errada e que Hades me mataria por aquilo mas a curiosidade acabou falando mais alto. Quando entrei no lugar o movimento estava muito menor que o da última vez. Euro estava no mesmo lugar lavando alguns copos e cantarolando baixinho. Me aproximei do balcão com um sorriso no rosto.
— Oi.
— Olha só quem voltou! Eu fiquei preocupado com você. Vai querer beber alguma coisa?
— Um expresso, por favor — eu disse sentando em uma das cadeiras altas em frente ao balcão.
— Você sempre entra nos lugares, desmaia e depois some como se nada tivesse acontecido?
— Gosto de entradas dramáticas.
— Percebi. Meu nome é Lucas.
— Sou Leni. Você trabalha aqui há muito tempo?
— Bem, na verdade a história é meio longa e totalmente dramática. Se você estiver com tempo pra ouvir eu explico.
— Claro! Sou toda ouvidos.
E então Euro, ou melhor, Lucas começou a me contar. Três semanas atrás ele tinha sofrido um grave acidente de moto e ficado entre a vida e a morte. A batida aparentemente tinha afetado alguma área do cérebro pois ele perdeu a memória então estava se readaptando a sua vida com base nas informações passadas pelos amigos e familiares. Ele me contou a história me olhando nos olhos e eu só conseguia ver Euro.
— Uau. É realmente dramático. Como você se sente com isso tudo?
— Grato. Parece que alguém lá em cima quis me manter vivo e perder a memória não parece o pior dos mundos. Os médicos acham que posso recuperar tudo e meus amigos e familiares me ajudam bastante também. Eu estou bem tranquilo mas confesso que tenho me sentindo bastante inquieto, sabe? Como se tivesse muito energia e não conseguisse descarregar isso.
— Exercícios físicos. Você precisa se manter em movimento. Seu corpo precisa disso.
— Sério? Como assim o meu corpo?
E então eu engoli em seco. Ele era um guerreiro. Ele precisava manter um ritmo de treino puxado e exercícios pra canalizar sua habilidades. Euro. Lucas trabalhava em um café no centro da cidade.
— Todos nós precisamos de exercícios regulares — eu desconversei.
— Entendi. Gostei da sugestão, vou procurar alguma coisa. E você? Mora aqui perto?
— Uma amiga mora. Na verdade eu acabei de dar uma notícia horrível pra ela e estou me sentindo um lixo.
— Isso é uma droga. As vezes eu queria trabalhar em um bar ao invés de uma cafeteria. Se você me falasse isso eu poderia te oferecer uma dose grátis de vodka, aqui só posso te oferecer um chá de camomila.
Eu ri com a teoria de Lucas e conversamos mais um pouco. Ele era tão diferente de Euro e ao mesmo tempo tão parecido. Lucas era leve e com certeza não tinha nenhum dos traumas que Euro tinha vivenciado. Com certeza Euro tinha tomado uma sábia decisão ao escolher reencarnar mesmo com esse desvio de rota que o levou ao corpo de um homem entre a vida e a morte.
— Vou fechar o caixa e ir pra casa. Quer fazer alguma coisa?
— Não. Eu preciso resolver umas coisas.
— Você vai aparecer aqui outra vez? Eu posso te preparar um pão de queijo recheado muito bom.
— Eu apareço sim, Lucas. Eu com certeza apareço.
Quando cheguei no meu quarto Sebastian estava de cueca, esparramado na cama e lendo um livro. Nossa. Como o meu marido era lindo.
— Nossa, que coincidência te encontrar!
— Não seja reclamão, eu estava ajudando Lara. Acredita que o Bruno está traindo ela?
— Acredito.
— Sério? Só isso que você tem a dizer?
— Mortais adoram se meter em confusões do gênero, meu bem. Eu discordo completamente de qualquer tipo de traição, acho que transparência e respeito são a base de qualquer relacionamento.
— Exato. A Lara está em casa com a Maria Clara enquanto o Bruno pega uma mulher na rua. Isso é horrível e bastante cruel da parte dele.
— Concordo. Agora que as cartas foram colocadas na mesa eles podem se entender ou seguir em frente. Você acha que ela vai perdoa-lo?
— Eu não sei. Lara ama o Bruno desde os três anos de idade. Eu não sei como ela seguiria em frente.
— Ficar com alguém que não é digno da nossa confiança é uma escolha difícil. Tomara que Lara seja racional e consiga se poupar. Agora que tal a mãe do meu filho tomar um banho pra gente ter uma conversa muito séria embaixo das cobertas?
Depois de mais uma sessão intensiva de sexo alucinado Sebastian e eu nos enrolamos nas cobertas e ficamos em silêncio por um tempo. Era tão bom estar ali com ele e no fundo eu sabia que precisava falar sobre Euro mas alguma coisa me travava. Eu com certeza não estava interessante romanticamente por Euro mas eu sabia que só falar o nome dele seria o suficiente pra Sebastian ficar na defensiva. Decidi começar a preparar o terreno para evitar qualquer tipo de confusão futura.
— Sebastian, você acredita que Hades me contou que a alma de Euro acabou se perdendo?
— Ouvi alguma coisa por aí, não sabia que ele tinha te contado.
— Você sabia? Por que não me avisou? — eu disse abruptamente sentando na cama.
— Na verdade eu fiquei com medo de te falar e você surtar. Vocês tiveram uma história e embora eu fique bem puto compreendo que nossos caminhos acabaram se perdendo e não adianta ficar me lamentando por isso.
— Eu amei Euro e você sabe disso, nunca neguei. Mas, meu bem, eu segui em frente e voltei pra você.
— Eu sei. Me desculpe, ok? O que você pretende fazer com essa informação? Quer descobrir o paradeiro dele?
— Pra ser bem sincera eu meio que já encontrei Euro.
— O que?
— Ele acabou parando no corpo de um cara que sofreu acidente alguns dias atrás. Ele trabalha perto da casa de Lara. O encontrei por acaso mas não tenho dúvidas de que ele é o Euro.
— Helen, é sério isso? — Sebastian disse levantando da cama.
— Qual parte?
— Eu estou aqui falando sobre transparência e respeito. Acabei de pedir desculpas por não te contar sobre a alma perdida e nesse tempo todo você não só estava ciente como já tinha encontrado Euro. Você não cogitou me contar isso tudo?
— Bem, eu estou te contando. Eu só queria ir devagar.
— Muito devagar. Na verdade quase parando. Eu vou dar uma volta.
— Sebastian, por favor, você não tem por que ficar chateado comigo.
Ele não se deu ao trabalho de voltar para me responder. Depois de colocar uma calça saiu batendo à porta do quarto me deixando na cama com um nó na garganta.

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AdventureContinuação do Livro "Melhor Parte" Deixar sentimentos para traz nem sempre é parte mais fácil. A vida é capaz de nos surpreender a cada esquina, cada desvio de rota e nem sempre estamos preparados para tantas mudanças. Isso não significa que precis...