Capítulo 11

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Música sugerida para leitura: Feist - Fire In The Water

Ao abrir os olhos a primeira coisa que vi foi o azul do céu. Eu estava em um cômodo que possuía uma linda janela com uma vista incrível. Uma cama imensa com um dossel amarelo no maior estilo medieval me fazendo sentir em uma história épica. Levantei devagar e percebi que usava apenas um longo vestido branco com um generoso decote na parte de trás e imediatamente tremi em pensar quem tinha tirado meu jeans e camiseta. Senti uma leve tontura enquanto seguia para a grande janela e fui surpreendida com uma lufada de ar gelado. Finalmente alcancei a janela e me perdi no azul que invadia todo o horizonte.
– Gostou da vista?
Ele estava vestindo uma túnica branca de um pano bem mais delicado que o meu. Suas barbas estavam tão brancas quanto da última vez e seus olhos brilhavam. Zeus caminhou até a cama, sentou gentilmente na beirada e começou a me encarar de uma forma estranha.
– Você me salvou da queda. Por quê?
– Hades te transformou em algo que nem ele sabe. Você precisa de treinamento e, principalmente, conhecimento. Você precisa aprender a controlar o que consegue fazer.
– Eu acho que não tenho tempo de receber treinamento. Se me lembro bem estou sendo perseguida por um demônio que foi enviado pela sua ex-mulher.
– Você pode ficar aqui quanto tempo achar melhor e aqui eu te garanto que nenhum Enviado chegará. Você pode confiar em mim e assim posso ordenar que os Guardiões voltem de uma vez por todas. Aqueles três fazem muita falta.
– E Euro? – eu não poderia simplesmente abraçar minha nova vida como divindade e esquecer o cara que lutou e morreu por mim. Eu não poderia simplesmente ignorar o segundo homem da minha vida.
– Eu poderia tentar um acordo com Hades... mas duvido que ele fiquei muito bondoso ao descobrir que quero te abrigar aqui. Euro provavelmente voltará para o Rio das Almas.
– Então a resposta é não.
– Você está largando mão de ter um lugar seguro e receber um treinamento para ficar com um bárbaro que já morreu?
– Eu não sou o tipo de pessoa que descarta um cara por meros detalhes. Eu o amo e nunca o deixaria para trás independente do motivo. Sem contar que ficar aqui e esbarrar diariamente com a psicótica da sua nora não é uma oferta muito amigável.
– Régia tem alguns problemas e meu filho não está ajudando. Ela está se esforçando para que as coisas se resolvam mas ele parece... distante.
– Certo, estou morrendo de pena da louca que invadiu minha casa e quase matou Euro.
– Ela é louca por amar tanto uma pessoa? – Zeus me lançou um olhar que transbordava desafio e uma pitada de raiva.
– Ela é louca por achar que atacar outras pessoas fará com que Sebastian a ame.
– Vou pensar sobre isso. Fique aqui para o jantar. Tem um vestido no armário e produtos no banheiro. Berilo vai chegar para te acompanhar no jantar e em seguida conversamos melhor sobre seu treinamento. Tudo bem?
– Não acho que tenho outra opção.
     
            Descobri uma banheira maravilhosamente grande e convidativa no banheiro da suíte. O cômodo tinha uma janela enorme com aqueles vidros que permitiam ver tudo do lado de fora mas não deixava que as pessoas de fora enxergassem dentro. Tirei a camisola branca enquanto esperava a banheira encher e aproveitei para admirar a paisagem diante dos meus olhos. O pôr-do-sol se aproximava e a imensidão dourada inundava todo o horizonte. Consegui ver a imensidão que era o Olimpo com construções imponentes, algumas cachoeiras artificiais e pessoas voando como se estivessem fazendo algo incrivelmente normal. Era uma agitação contida, nada semelhante ao caos urbano, era uma correria velada.
            Já estava imersa na água quente da banheira quando ouvi duas batidas na porta. Tentei ignorar mas a pessoa parecida furtivamente decidida a incomodar meu raro momento de paz e tranquilidade.
            – Pode entrar! Estou na banheira!
            Ouvi o clique da porta e pude ouvir os passos em direção ao banheiro, contudo quando a porta abriu e vi quem era meu coração congelou.
            – Você? Sério, você já vai começar suas acusações tolas?
            – Só quero conversar.
            Régia estava diante de mim com um vestido preto sem graça e descalça. Seus cabelos longos e loiros estavam presos em um coque desarrumado e olheiras apareciam abaixo dos olhos azuis.
            – Pode falar. Sente-se.
            Ela se acomodou no sofá marfim do canto do cômodo e admirou a paisagem durante alguns segundos, exatamente como eu havia feito minutos atrás.
            – Não vim te acusar, só fiquei surpresa quando me falaram que você estava aqui. Zeus toma atitudes que me deixam surpresa.
            – Somos duas – respondi ignorando sua expressão perdida e aproveitando para relaxar os músculos e fechar os olhos.
            – Soube que agora você é uma Deusa. Isso é verdade?
            – Não sei. Acho que sim. Hades me transformou, desenvolvi alguns poderes, mas não sei o que isso significa.
            – Acho que significa que você vai mudar para cá... junto com Sebastian – pude ver seu olhar brilhar estranhamente e levei alguns segundos para entender que eram lágrimas se formando.
            – Posso fazer uma pergunta? – obtive silêncio em resposta e resolvi seguir em frente – Você ama o Sebastian?
            – Eu não conseguiria imaginar minha vida sem ele. Sem contar que nossas famílias se conhecem há séculos, minha mãe que é uma Deusa conseguiu a palavra de Zeus sobre nossa união. Estamos destinados a ficar juntos.
            – Muito poético... mas você não respondeu minha pergunta.
            – Vocês humanos vivem em um mundo fantástico. Amar não significa dar as mãos e sair para ver um filme em um final de semana. Amar é abandonar hábitos e sacrificar sonhos.
            – Régia, amei Sebastian durante um longo tempo na minha vida e a única coisa que sacrifiquei foi minha felicidade. Tivemos uma história de amor linda e romântica, mas cá estou sozinha e sem meus sonhos. O que quero dizer é que você parece tão desesperada em mantê-lo longe de mim que não se preocupou em se aproximar dele. Converse, chame-o para sair, assista um filme, veja o pôr-do-sol. Você estar destinado a alguma coisa não significa que você terá prazer em fazer essa coisa.
            – Você disse que amou Sebastian, não ama mais?
            – Não. Hoje vivo a minha vida e me permito ser feliz.
            – Com o soldado de Hades?
            – Com Euro aconteceu um tempo atrás... agora estamos separados.
            – Brigaram? – Régia parecia renovada e seus olhos brilhavam de um jeito feliz, dava pra ver o quanto ela estava empolgada com o fato de não ter que competir comigo no quesito Sebastian.
            – É uma longa história, apenas resolvemos seguir em frente até as coisas ficarem claras. Nesse meio tempo acabei conhecendo Berilo.
            – BERILO! Você ficou com aquele gato? Nossa ele é um tesão!
            – Ele é muito bacana...
            – Bacana? Você está brincando né? Ele é o guerreiro mais sensual do Olimpo.
            – Sebastian não fica atrás – falei com o intuito de amenizar a situação, Sebastian na verdade era fantástico e superava Berilo em diversos pontos. Quando os olhos de Régia desviaram dos meus e focaram na janela entendi tudo.
            – Nunca fiquei com Sebastian. Nenhum momento, nenhum beijo, nenhum toque. O corpo de Sebastian é um mistério para mim. Desde o noivado ele só acha importante manter as aparências e insiste em dizer que não temos nada sólido. Sebastian nunca me amou, nunca tentou me amar... ele só quer satisfazer a vontade do pai. Pra ser sincera acho que ele ainda é completamente louco por você.
            Meu corpo inteiro tremeu quando Régia derramou algumas lágrimas e os últimos raios de sol desapareceram pela janela. A noiva do meu antigo amor estava assumindo diante de mim que ele ainda me amava. Eu nunca tinha imaginando conversar com Régia daquela forma, muito menos ouvir algo tão absurdo. Respirei fundo e reuni forças para levantar da banheira. Me enrolei na felpuda toalha cor de creme e fui até a imóvel Régia que tentava conter a crise de choro. Me ajoelhei diante dela e alisei seu cabelo.
            – Você não tem que ficar desse jeito. Nenhum homem merece esse tipo de sentimento devastador. Falo por experiência própria.
            – Duvido! Você tem todos os homens aos seus pés, desde o guerreiro de Hades ao Guardião mais desejado do Olimpo! Você não faz ideia do que é ser rejeitada.
            – Isso não é verdade. Régia, só estou tentando te fazer entender que não vale a pena sofrer por um alguém que não te ama. Edigo mais, se você quer Sebastian você deve provocá-lo.
            – Sério? – por um momento ela secou as lágrimas e me olhou como se eu tivesse a resposta para todos os problemas da humanidade.
            – Claro! Todo homem é assim. Vamos fazer um teste hoje, certo? Quero que você fique divina e esnobe Sebastian o quanto puder, sendo tão fria quanto ele é. Ele vai ficar no mínimo curioso e aí está a sua chance de sair por cima. Acredite, Sebastian detesta ser ignorado.
            – Por você está sendo gentil comigo? Eu sempre te odiei...
            – Régia, me odiar não vai fazer com que Sebastian te ame. Você pode tentar conquistá-lo ou perder tempo me xingando.
    
            Zeus tinha deixado um longo vestido vermelho com um decote generoso e um lindo corpete bege. Prendi meu longo cabelo preto em um rabo-de-cavalo e calcei as delicadas sandálias que foram escondidas pelo vestido. Após alguns minutos admirando o Olimpo ao anoitecer ouvi algumas batidas na porta e ao abrir encontrei um Berilo sem reação.
            – Nossa, você está... incrível.
            – Obrigado. Você está bem elegante também.
            – Quando penso que você não pode se superar você vem e surge com esse tipo de roupa. Os Deuses vão cair aos seus pés.
            – Deixa de exagero. Entre, não quero entrar cedo demais.
            – Imagino que seu objetivo seja não ter que cumprimentar todos os presentes. Certo?
            – Sim – disse encabulada.
            – Então acho melhor chegarmos primeiro, assim ficamos sentados e quem chegar por último que terá a obrigação de falar conosco. Entende?
            – Você já participou de muitos jantares no Olimpo?
            – Claro! Ser um Guardião tem muitas vantagens, principalmente com as mulheres do reino. Você sabe, a ideia de dormir com um guerreiro excita muita gente.
            – Eu sei muito bem.
            Berilo se aproximou gentilmente e alcançou minha cintura com suas mãos brutas e seu hálito fresco. Ele me virou delicadamente de costas para seu corpo e começou a beijar meu pescoço. Senti meu corpo responder ao seu toque e desejei tirar aquele maldito vestido longo e aproveitar o momento com Berilo. Justamente quando me virei para beijá-lo com o desespero contido alguém bateu na porta.
            Recuperamos o fôlego debilmente e Berilo seguiu para atender a pessoa indesejável e então prendi a respiração outra vez.
            – Desculpe incomodar os... preparativos. Meu pai pediu para chamar Helen antes do jantar. Ele nos espera na varanda para uma conversa.
            – Senhor Sebastian, é um prazer revê-lo.
            – Igualmente, Berilo. Por favor, vá até o quarto de Régia e avise que não vou poder acompanhá-la para o jantar. Acompanhe-a e depois sente-se no seu lugar, que é ao lado da Senhorita Helen. Entendido?
            – Certo. Com licença – disse Berilo visivelmente contrariado.
            Berilo atravessou porta me lançando um último olhar de dúvida e perplexidade. Eu queria ter dito algo mas o fato de estar dividindo um cômodo com Sebastian era o suficiente para me fazer travar. Ele vestia um escuro, uma camisa social branca e sapatos pretos e brilhantes. Seu cabelo estava um pouco maior e possuía um desarrumado elegante, sua pele tinha uma tonalidade morena que entregava seus dias no Olimpo e seus olhos eram azuia como o mar.
            – Podemos ir? – perguntou me olhando lentamente como se só tivesse percebido minha presença naquele momento.
            – Primeiro quero saber o que Zeus tem em mente. Conheço seu pai e imagino que nos colocar em uma reunião deve ser parte de algo maior. Poderia adiantar o assunto?
            – Ele quer que eu te treine – ele explicou enquanto admirava a paisagem.
            – O que? Você? Ele só pode ter surtado.
            – Estou tão feliz quanto você, contudo não posso dizer não. Você pode fazer isso.
            – Você ficaria muito feliz, não é?
            – Helen, podemos combinar uma coisa? – meu silêncio fez com que ele prosseguisse – Não quero ter que conviver com você, não quero ter que ouvir sua voz, não quero ter que lidar com a sua presença. Você poderia facilitar esse desejo?
            Reparei como seus olhos estavam frios e como seu corpo estava rígido. Em nenhum momento Sebastian tinha me encarado, muito pelo contrário, ele não conseguia me olhar nos olhos. Eu me senti como uma criança que tinha acabado de descobrir que Papai Noel não existia. Eu tinha me preparado para ser ignorada, para ser deixada de lado, mas nunca para ouvir da boca de Sebastian que ele tinha nojo de mim.
            – Eu sei onde fica a varanda principal e não quero que você participe da reunião – falei atravessando o quarto e alcançando a porta antes mesmo de Sebastian pensar em falar mais alguma grosseria.
            – Isso é um sim? – ele perguntou quando eu já tinha alcançado o corredor.
            – Com certeza.
        
            Assim que cheguei na varanda avistei Zeus com uma longa túnica branca e um copo de ouro na mão. O fato de um dia ter sentido carinho por ele fez meu estômago revirar.
            – Sebastian não vai participar e eu já tomei minha decisão.
            – Sempre tão impulsiva... mas ainda assim você está divina. Esse vestido te deixou magnífica.
            – Zeus, me desculpe por ter tentado me matar e ter atrapalhado o seu dia. Obrigado pela oferta mas não quero ficar aqui.
            – Isso é por causa de Sebastian? Posso encontrar outro treinador, Berilo poderia te ajudar.
            – Não quero olhar para a cara de Sebastian, nem de relance. Ficar aqui implicaria em ter que aturá-lo durante todos os malditos dias da minha vida!
            – Berilo não poderá treiná-la em Belo Vale, ele é um Guardião incrível e indispensável aqui. Leni, reconsidere, por favor. Você pode ser uma Deusa incrível, mas se não receber o treinamento adequado pode virar uma arma perigosa.
            – Você está com medo... de mim? – contive um riso.
            – Você não está com medo de si mesma por que não sabe a grandiosidade dos seus poderes.
            – Nem quero saber – respondi cruzando os braços e me afastando de Zeus para admirar a noite do Olimpo.
            – Muito maduro da sua parte.
            – Zeus, eu entendo o que você quer e concordo que posso perder o controle mas eu... eu não suportaria ter que encontrar Sebastian todos os dias. Eu não aguentaria ter que vê-lo mesmo que de longe, mesmo não o amando. Tenho claro na minha mente que não sinto mais nada por ele mas as vezes meu coração teima em não entender isso. Você consegue entender?
            – Claro que sim, Leni, mas você está priorizando o sentimento errado. Se afastar por medo de Sebastian só vai te afastar da sua nova condição. Olha, eu tenho que descer para o jantar e pelo visto você já tem sua decisão tomada. Proponho um acordo: Berilo ficará com você em Belo Vale por mais um tempo, uns dois meses no máximo, e caberá a ele te treinar. Vou ordenar que os outros dois Guardiões retornem quando o último Enviado chegar. Tudo bem pra você?
            Respirei fundo e tentei me concentrar no meu futuro, em me imaginar uma deusa controlada e treinada. Pensei em como seria ter Berilo por perto e toda a química que nós tínhamos em tão pouco tempo. Ele não era o cara que eu desejaria que fosse o pai dos meus filhos mas era ótimo como homem. Eu sabia que a distância de Sebastian era crucial para me manter sã, para não me deixar ficar perdida nas dúvidas que sempre me consumiam. Eu não confiava no meu próprio coração.
            – Fechado. Berilo por dois meses e Sebastian longe. Para mim é perfeito.
            – Ótimo. Preciso ir ao jantar, você fica?
            – Obrigado pelo convite e pelo vestido mas esse não é o meu mundo. Se puder avise ao Berilo que eu voltei.
            – Se cuida, minha jovem, se cuida e tente admitir os seus sentimentos.
            Fiquei pensando na frase de Zeus enquanto caminhava para os portões da saída do Olimpo e fiquei pensando sobre quais sentimentos ele estava se referindo.
      
            A lua majestosa ainda banhava a Cachoeira da Pedra quando alcancei o solo. Sentado na minha pedra predileta, como se nada no mundo importasse, estava Euro.
            – Esperando um lobisomem ou uma sereia? – eu disse me aproximando com cuidado para não assustá-lo. Assustar um guerreiro nunca era uma boa ideia.
            – Nenhum dos dois, só estava esperando uma louca que se jogou do penhasco e foi parar no Olimpo e nem se deu ao trabalho de me avisar que estava bem.
            – Euro, eu...
            – Chega! – foi um grito profundo que me fez sentir como uma criança de dois anos de idade que acabou de ser pega no flagra – Se você quer se matar eu não posso fazer nada, mas não faça isso na minha frente outra vez. Estamos entendidos? – com aquele olhar furioso eu seria capaz de concordar qualquer coisa.
– Sim. Me desculpe.
– Estou farto de ter que me preocupar com suas burrices, você não é mais uma criança indefesa. Se você realmente é uma Deusa trate de se comportar como tal.
Euro levantou da pedra e seguiu para o caminho que levaria a minha casa, mas eu não consegui reunir forças o suficiente para segui-lo. Eu estava cansada, exausta pela conversa com Zeus e pela viagem até Belo Vale. Precisava de um banho quente e cama, nada além disso. Eu não queria me preocupar com os três homens da minha vida e nem em como fazer Euro me desculpar pela atitude idiota. Ainda perdida em meus pensamentos ouvi um barulho perto dos arbustos e logo a visão chegou.
O Enviado estava próximo a entrada da minha casa, cercado por árvores e mexendo em algumas folhas. Ele tinha mãos... fofas e delicadas. Meu peito  afundou quando me dei conta que teria que lidar com o pior Enviado de todos.
Fui caminhando lentamente até o local e consegui pegar um pedaço de maneira pontudo o suficiente, mas embora meu corpo estivesse pronto para reagir meu coração parecia convencido a não fazer isso. Quando avistei o Enviado minhas dúvidas só aumentaram. Lá estava ele, com uma roupa azul e branca e sapatinhos fofos. O meu filho com Sebastian estava diante dos meus olhos e ele me encarava com um olhar de ódio.
– Oi mamãe.
O Enviado disse com uma voz fofa e meiga e naquele instante eu queria pegar aquela criança no colo, afagar seus cachos negros, apertar suas bochechas e dizer que o amava. Ele era meu filho, eu podia sentir. Só o olhar entregava, só a chama de raiva deixava claro que ele não era uma criança. Era um demônio vestido de criança, a minha criança.
– Se fantasiar de Euro fez mais sentido – disse tentando esconder a madeira e manter a foz firme.
– Mas não te afetou tanto. Posso ver o quanto seu coração diminui ao ter ao seu alcance o filho que você nunca terá.
– Um dia eu serei mãe – respondi um com a voz rouca.
– Impossível. Vou te matar antes.
Tudo aconteceu muito rápido e eu daria um prêmio a Hades por ter me transformado em deusa. O Enviado levantou e com um salto alcançou meu pescoço, arranhando com unhas afiadas e tirando sangue. O toque com a pele delicada me fez sentir ainda pior, mas eu sabia que deveria matá-lo independente do apelo maternal. Consegui afastá-lo do meu pescoço mas quando estava prestes a enfiar a madeira no seu pequeno corpo o Enviado mordeu meu braço e voltou morder meu pescoço já ensanguentado.
Eu perdi o equilíbrio tentando tirá-lo de cima de mim e acabei caindo no chão, imponente e ridícula. Tinha enfrentado uma cobra, um leão e Euro e agora estava ali, estirada no chão com um bebê assassino. Eu sabia que tinha sido fraca devido ao desejo de tocar naquele Enviado mesmo sabendo que ele não era o meu filho. Eu tinha sido fraca por querer conhecer um filho que nunca nasceria. Então o mundo começou a ficar escuro e eu conseguia ouvir o Enviado rasgando minha garganta cada vez mais. Naquele momento eu pensei que não adiantava ser uma deusa se a imortalidade não era um dom.

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