Missão Secreta - Parte 2

Sobre Rivan (Phill)

ERA UMA SALA ESCURA, recendendo a madeira queimada; o vento que ondulava trazia a poeira e o mormaço, tornando o local incômodo e quase insuportável de se estar.

Haviam se passado dois dias.

Eu sabia que era um sonho, isso não era difícil de se adivinhar, já que lembrava perfeitamente de ter me deitado para dormir naquela floresta. Para mim, parecia mais um pesadelo.

Avancei pela sala, com meus passos ecoando por todos os lados. Era tudo tão silencioso, que até minha respiração parecia alta demais. Eu estava hesitante, ainda sem saber por quê.

Foi então que avistei. Era uma mulher, sentada em uma cadeira majestosa. Uma fresta no telhado sobre ela trazia uma iluminação tênue, e fazia seu vestido branco derramado pelo assoalho parecer brilhar. Ela aparentava ter mais de trinta anos, embora ainda estivesse conservada. Seu cabelo louro ondulado caía sobre os ombros, e seus olhos pequenos e escuros fixavam-se diretamente em mim. De pé atrás de si, estava um homem moreno trajando um terno negro - e eu o conhecia perfeitamente.

- L-Lowos...?

Meu coração disparou. Eu estava recebendo a visita de Invasores de Sonhos? Isso soava como uma violação à minha privacidade.

- Mas - desci o olhar para a mulher - quem é ela?

Ela sorriu.

- Meu nome é Jolie Derveth. - falou - É um prazer conhecê-lo, Phill Dim.

Alternei olhares entre os dois. O que eles poderiam querer comigo? Por que justo o meu sonho?

- Lowos... - falei, cauteloso - você está bem?

Lowos pigarreou, ajeitando a gravata prateada.

- Devo me desculpar pelo... hm... você sabe. - ele desviou ligeiramente os olhos ao dizer isso - Tive um momento histérico, apenas. Perdoe-me se falei algo comprometedor.

Engasguei uma risada.

- Algo comprometedor? - ri - Ah, fala sério! Você disse que iria fazer sua borboleta morta se orgulhar de você!

Jolie lançou um olhar acusatório para Lowos.

- De novo a Miri?

Lowos encolheu os ombros.

- Foi um efeito da floresta de Jhung!

Me contive ao máximo para não rir. Eu me lembrava nitidamente de quando vi Lowos pela primeira vez, em Jhung. Ele estava absolutamente fora de si, tanto que Finnie havia referido-se à ele como "Malucão".

Jolie reassumiu sua pose séria; sentada naquela cadeira, com aquele longo vestido, ela parecia uma verdadeira rainha. Olhando para seu rosto, eu vi algo vagamente familiar.

- Phill, estamos aqui para te avisar - disse ela, rígida - porque dentre todos os Escolhidos, você é o mais feliz. O único com uma familia estável, que se importa com você. Então, com certeza, você é um dos poucos que poderá ser forte até o fim.

- O que quer dizer? - disparei.

- Afraid não é apenas a Terra do Caos - prosseguiu Jolie - é também a Terra do Medo, como o próprio nome já diz. Talvez o monstro Rivan vá muito além de uma besta que destruirá o mundo, comendo gente e pisoteando casas.

Minha mente rodopiou. Do que ela estava falando? Desde que eu ouvira sobre Rivan, havia imaginado-o se erguendo de baixo da terra, com dez metros de altura e um rosto tão horripilante, que fazia qualquer um estremecer. Pensar na possibilidade de ele ser totalmente diferente disso, fazia meu cérebro virar geléia.

Lembrei-me da noite em que encontramos a saída de Gost, Terra dos Fantasmas. Enquanto andávamos ao redor do bueiro, que era o portal para Mifia, Rogi havia comentado sobre o fato de Dill trabalhar com enigmas. E se...

- Rivan é um enigma? - soltei, sem conseguir me conter - Uma charada? É por isso que ele ainda não destruiu nada?

- Ponto para você - disse Lowos.

- Pense em Rivan como o pesadelo. - Jolie entrelaçou os dedos à frente do rosto, apoiando os cotovelos nos braços da cadeira - O acontecimento, ou a pessoa, que mais marcou negativamente a vida de alguém. Um medo que, sutilmente, invade a mente e atormenta pessoas por todos os mundos. Liberty, Hope, Oliut, e até mesmo o mundo dos sem-dom. Ele suga lentamente a coragem das pessoas que, uma a uma, estão se suicidando. É ainda pior que uma besta, pois a besta vive dentro de você.

Um arrepio percorreu toda a minha espinha.

- Então o que faremos? Como derrotar um enigma?

- Vocês saberão, quando a hora chegar - Lowos apertou fortemente o encosto da cadeira - mas precisam chegar rápido. Quanto mais demorada for a viagem, mais pessoas morrerão. Mais mentes serão atormentadas.

Assenti, cerrando os punhos. Se eu precisava lutar, ainda que fosse contra algo abstrato, lutaria. Não importa o que viesse, eu sempre manteria minha mente sã.

- Mas, Phill - dessa vez, a voz de Jolie soou como um sussurro doce; como se ela só quisesse ajudar - não quero que se esqueça de que você é incompleto. Sua metade está em Lert, como deve saber. O nome dela é Alie Alveda. Enquanto os dois viverem, seus poderes estarão limitados. Muito brevemente, alguém precisará...

- Morrer. - engoli em seco - Eu só poderei proteger meus amigos quando Alie morrer.

- Ou...

Lowos não conseguiu terminar. Logo o sonho começou a tremeluzir, e perder toda a cor. O cabelo de Jolie se tornou cinza, seu rosto ficou totamente branco, retorcendo-se e saindo de foco. Acordei em um salto, olhando em volta como que procurando-a.

Era de manhã, mas a única pessoa acordada era Perio Usind. Ele estava reclinado sobre o corpo de alguém, aparentemente avaliando-o para ver se ele - ou ela - realmente dormia.

- Cara - falei.

Ele se sobressaltou, caindo sentado. Quando olhou para mim, seus olhos estavam totalmente azuis, sem qualquer parte branca. Desviei o olhar para a pessoa que ele estudava, e percebi que se tratava da Rainha Emire.

- Hm... - fiz, sonolento - o que estava fazendo?

Perio ofegou, ainda assustado, como se tivesse sido pêgo no flagra.

- V-você sabe - ele gaguejou - eu sou um hipnotizador, então não preciso dormir durante um bom tempo, então...

- Então você gasta seu tempo noturno olhando para as garotas enquanto elas dormem - lancei-lhe meu melhor sorriso maldoso.

Ele não respondeu, apenas me fitou. Seus olhos saíram de completamente azuis para "azuis normais", como é definido o processo de blint. Eu quase nunca fazia isso com meus olhos, pelo simples fato de não achar legal.

- Não conte à elas, ok? - pediu - Principalmente à Emire.

Olhei para Emire. Seu cabelo preto estava jogado sobre o rosto, invadindo a boca entreaberta. Ela parecia estar em um sono profundo.

- Não se preocupe, cara - ri.

Ele expirou, aliviado. Procurou algo em seu bolso, apanhando uma pequena gaita dourada.

- Vou caçar. - informou - Volto em algumas horas. Diga ao Lorde Ryko, quando acordar, para reabastecer nossos suprimentos de água. E quanto à Kolie, peça ajuda à ela para acender a fogueira.

Ouvi as instruções pacientemente, e depois observei-o se afastar. Instantaneamente, lembrei-me do sonho. A coragem se esvaindo, o desespero se avizinhando, pessoas de matando... precisávamos de força para chegar até Afraid e encarar o Medo, carinhosamente apelidado de Rivan. Precisávamos chegar ilesos, os doze, para que pudéssemos encará-lo.

E se Alie não morresse, eu provavelmente morreria.