ANDAMOS ALGUNS METROS através da floresta antes de nos depararmos com uma antiga casinha de madeira. Era comum em Liberty construções de madeira, já que a maioria não tinha acesso a outros materiais, então não era de se estranhar que sempre quando parávamos em uma casa, ela fosse de madeira. A diferença era que aquela casa em especial, além de visivelmente antiga e com aspecto de abandonada, trazia ao longo de suas paredes escurecidas marcas nítidas de garras. Não havia sequer uma pequena parte que não exibisse as marcas, algumas até mesmo tão profundas que atravessavam a madeira, formando pequenos buracos.
Emire foi a primeira a perceber a casa; ela simplesmente parou onde estava e ficou olhando para mais além com a boca semiaberta e os olhos estreitos. E então, finalmente anunciou:
— Ei, aquilo não é uma casinha?
Nós, naturalmente, paramos e olhamos para o local indicado. Me admirava que Emire tivesse avistado a casa, já que a mesma estava escondida entre árvores e arbustos, e Emire era a menos perceptiva do grupo. Depois disso, todos caminhamos até a casa, sabe-se lá por que, e ficamos alguns instantes inspecionando-a. Parecia improvável que o lugar fosse habitado; estava tão silencioso e empoeirado, que não era difícil deduzir que estava abandonado.
— OK. – suspirou Vamb – Eu sei que vocês não são as pessoas mais normais do mundo, mas eu gostaria que alguém me explicasse o que exatamente estamos fazendo olhando para esse barraco velho.
Isso chamou a atenção de Rogi, que até então estivera parado com a mão no queixo, estudando atentamente as vigas de madeira que cobriam o lugar onde deveria haver uma janela.
— É – ele assentiu – eu também não faço ideia.
Nesse momento, porém, algo chamou minha atenção. Era um som baixo, como um ronronar... eu conhecia bem. Instintivamente, puxei a espada da bainha e me posicionei, pronto para atacar.
Em cinco anos de treino, eu havia aprendido a identificar cada ameaça. Rosnados; o barulho das patas sobre as folhas secas; a respiração pesada. Eu sabia exatamente o que era, e mesmo que ainda fosse covarde demais para conseguir me defender sem sentir um peso na consciência, sabia que precisava proteger as únicas pessoas que eu tinha.
Os outros se sobressaltaram quando ouviram o tinir da minha espada sendo desembainhada. Emire em um segundo estava do meu lado, com sua espada em mãos; ela não possuía a postura de uma espadachim, embora fosse a mais famosa duelista de Liberty. Ela era confiante, e capaz de causar um massacre, mas ainda parecia inocente demais para matar a sangue frio. Ela segurava sua espada apontada para o chão, enquanto inflava as bochechas e dançava levemente de um lado para o outro, cantarolando baixinho.
Fechei os olhos. Emire só me distraía. Eu precisava premeditar o que iria acontecer.
A princípio, tudo o que escutei além da melodia que Emire cantarolava foi o som do vento morno que varria meus cabelos da testa. Eu estava prestes a constatar que estava imaginando coisas quando de repente um barulho de gravetos se partindo me fez arregalar os olhos. Todos estavam atrás de mim, exceto por Emire, e o som viera exatamente de algum ponto a frente. Segurei a espada com mais firmeza; minhas mãos suavam tanto que eu não sabia se conseguiria sustentar a espada por muito tempo.
Com um ultimo rosnado, a criatura saltou para fora da folhagem e pousou graciosamente diante de mim, acompanhado por mais uma dúzia. Eram lobos. Todos com pelos macios salpicados de lama, cicatrizes pelo rosto e olhos brilhantes amarelo-vivos. Imediatamente, todos sacaram a espadas, mas não foi suficiente.
Uma vez, li sobre lobos, e sobre seus métodos de caça. Lobos eram metamorfoses de seres-humanos que precisavam de carne para sobreviver, mas que não tinham total controle sobre si quando transformavam-se. Eles geralmente não sabiam o que estavam fazendo, mas eram capazes de treinar esse lado deles para não atacar humanos ou para respeitar certos limites. Chegavam mansos, rodeavam a caça, esperavam até estarem em total pânico e então atacavam. Era assim que funcionava a caça. E considerando o modo como aqueles lobos nos atacaram imediatamente, só o que eu podia dizer era que eles não estavam caçando. Estavam decididamente tentando nos matar por... diversão, talvez? Eu não sabia.
— Treze! Eles são treze! – observou Kolie, esganiçada – Ai, socorro!
Consegui acertar um entre os olhos e então me virei rapidamente para ver a Kolie. Ela estava agitando sua espada no ar como se não soubesse usá-la, enquanto dois lobos a cercavam. Virei-me, já me encolhendo, quando Emire me empurrou e começou a investir contra um lobo albino, quase da altura dela.
— Eu mato todos! – Emire gargalhou, escapando por um triz das garras do animal.
— Você é louca? – gritei – Você vai morrer!
— É claro que ela é louca! – concordou alguém, que eu não sabia se era Stiven ou Phill, pois estava completamente entorpecido – Entrem na casa!
Emire tentou outro golpe contra o lobo, mas a espada bateu em suas presas com um tiritar. O animal, então, derrubou a garota com o focinho e apoiou as duas patas sobre seus ombros.
Tudo congelou.
— Emire! – eu gritei.
De repente, era como se eu estivesse sozinho, prestes a assistir alguém ser morto. Era o meu trauma. A morte era meu único e sincero medo. Quando vi o lobo aproximar sua enorme cara do rosto jovem de Emire, que estava sem qualquer expressão, foi como se tudo estivesse em câmera lenta.
Mas então, o aperto em meu coração foi substituído por uma vontade esmagadora de chorar, quando o lobo bufou e em seguida retirou-se de cima dela, recuando. Emire estendeu os braços pelo chão e riu. Suas bochechas estavam vermelhinhas, o que era bem comum. Segurei-me para não correr até ela, afinal, ainda haviam lobos ao nosso redor, atacando nossos amigos. Esperei ela se levantar e vir até mim.
— Você está bem? – perguntei, tímido, tentando esconder o desconforto na voz – Achei que ele fosse... que você fosse... eu fiquei assustado.
Ela riu mais um pouco e passou o braço pelo meu ombro, me fazendo enrubescer.
— Não precisa se assustar – disse – Eu já vivi emoções demais para meus dezesseis anos. Se ele me matasse, estaria tudo bem. Agora corre para a casa, anda.
Ela me empurrou com uma força que me fez cambalear. Eu não estava disposto a desobedecer a ela, tampouco aos outros Escolhidos, então fiz exatamente o que ela disse. Enquando eu corria, fiz questão de manter a cabeça baixa e ignorar os gritos e barulhos de espadas... os sons me perturbavam. Eu não queria nada daquilo.
Era um dia um tanto quanto cinza, e isso expressava exatamente o que eu estava sentindo. Cinza. Nublado. Como a minha vida.
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Missão Secreta - Parte 2
FantasyEles já enfrentaram coisas que nem imaginariam; estiveram várias vezes entre a vida e a morte; conheceram novos aliados e amigos; e passaram por muitas Terras atrás de uma simples profecia. Agora é tudo ou nada. Com suas memórias restituídas, e, nou...