A PRIMEIRA VISTA, Emire parecia apenas uma garota de dezesseis anos arrogante e prepotente, que pensava que o mundo girava ao seu redor. Não era difícil imaginar isso, já que ela estava sempre ditando regras e agindo como uma criança mimada. Era indiscutível que sua falta de atitudes em determinadas ocasiões haviam resultado em mortes ou pessoas feridas, o que não a agradava, mas que também pouco importava para ela, já que a mesma sabia que esse tipo de destino era mais do que óbvio para quem se aproximava dela. "Tudo o que você toca, é destruído. Todas as pessoas que se aproximam de você, sofrem" Dissera Akada. Emire não podia tirar a razão dela, afinal, em muito tempo, Akada fora a única que soubera resumir em poucas palavras a existência banal daquela rainha louca.
Emire fora encaminhada para um dos confortáveis quartos do Templo. Era um lugar fresco, graças a janela grande, com uma cama macia e triangular que tinha um cheiro maravilhoso de grama recém-aparada. Emire sentou-se, correu as mãos pelos lençóis e sorriu. Pensou em sua irmã, Sizy; em como ela estaria agora, sozinha no castelo. E se Risel não soubesse cuidar dela? Emire daria uma lição nele. Sizy Juuz era a única coisa que ela tinha, a última que lhe sobrara, e ela não podia de forma alguma perdê-la também. Ela aspirou profundamente aquele cheiro genuíno, lembrando-se inevitavelmente da sua casa, em Beaut. Não, não a casa dos seus pais, pois dessa ela sequer se lembrava. Era a casa da dona Haza. Da mulher bondosa que a acolhera com sua irmã ainda bebê, após as duas serem cruelmente abandonadas na floresta pelas únicas pessoas que deveriam amá-las... seus pais. Aquele cheiro de grama era o mesmo de quando chovia, e ela e Sizy iam para o jardim pular em poças e brincar de jogar bolas de lama uma na outra. Naquele tempo, Emire ria até faltar o ar; até sua barriga estar doendo tanto, que ela nem conseguia se mexer. Haza, que olhava orgulhosa da janela, chamava as duas para comer e se limpar, e Emire ia feliz da vida, sentindo-se especial por ter uma pessoa como aquela senhora em sua vida.
Alguém bateu na porta, e Emire se assustou.
- Pode entrar – disse.
A porta foi aberta com um ruído surdo, e então Perio surgiu; metade do corpo dentro do quarto, e a outra metade ainda fora. Emire pegou um pano que estava sobre a cama, na intenção de limpar o sangue em seu rosto, mas sabia que aquilo seria difícil já o sangue estava seco.
- Eu já falei que você pode entrar – repetiu ela, rindo.
Meio desconfortável, Perio colocou a outra metade do corpo para dentro. Emire reparou que ele estava usando novas roupas – é claro, uma daquelas blusas brancas com uma pena, que era o uniforme oficial do lugar. O cabelo castanho estava arrumado, e mesmo que ele não estivesse limpo, estava incontestavelmente mais apresentável que Emire. Ele andou até ela, com os olhos azuis passeando pelo quarto para não ter que encará-la.
- Eu... queria te agradecer. - disse ele, timidamente, brincando com os dedos - Se não fosse por você, eu estaria morto. Obrigado.
Emire ficou observando por longos e intermináveis segundos, imaginando como um garoto tão inseguro podia lutar tão bem. De qualquer forma, Perio vencera Nins. É claro, o duelo teria encerrado ali mesmo e eles ganhariam, se Nins não fosse um moleque competitivo e trapaceiro.
- Mas... - continuou Perio - por que fez isso? Quer dizer, você não costuma se importar com pessoas morrendo. Eu vi o seu olhar frio quando a Rainha Solitária assassinou o Lorde Ryko. Por que então você decidiu me salvar?
Emire ponderou. Podia simplesmente falar a verdade, ou cancelar aquele assunto. Que mais não fosse, Emire não era uma mentirosa. Nunca fora fácil para ela inventar mentiras. Portanto, optou pelo caminho mais curto.
Ela pediu que Perio se sentasse ao seu lado, e ele o fez depois de muita relutância. Emire ignorou a dificuldade de Perio em olhá-la nos olhos, e então começou a falar.
- Eu não gosto de associar pessoas. - adiantou ela, apertando o paninho entre os dedos - E, para ser franca, até hoje de manhã eu não estava nem aí sobre você viver ou não. Realmente não fazia diferença. Mas aí... - ela fez uma pausa, avaliando os traços do rosto daquele belo rapaz - mas aí você começou a duelar com Nins, e eu fiquei abismada com suas técnicas. Me trouxe lembranças nítidas de um certo vampiro que me vencera uma vez. Ele foi o primeiro e o último a conseguir isso, era especial para mim.
Perio ficou fitando as palmas das mãos voltadas para cima, sem ter mais o que dizer. Emire se sentiu estúpida por dizer tudo aquilo a ele, mesmo sabendo que feriria seus sentimentos. Porque, na verdade, Emire não salvara Perio por se importar com ele. Ela salvara Perio para resgatar alguém do passado que, de alguma forma, ela via refletido nele.
Ela levou o pano até Perio e limpou uma mancha em sua bochecha, atraindo a atenção dele.
- Eu pensei que talvez você também pudesse me superar.
Ele permaneceu calado, balançando os joelhos e mirando o nada. As lágrimas se acumulavam lentamente em seus olhos.
- Emire... - ele sussurrou - eu me sinto tão sozinho... a minha vida inteira foi assim. Solidão. E mesmo quando estou cercado de pessoas, eu sei que no fundo sou só eu e minha tolice sem limites. Então... eu... eu realmente sinto muito pelo que a Akada disse para você.
Emire sorriu, inclinando a cabeça para o lado como um animalzinho. Seus olhos tinham aquele brilho louco, tão contagiante que Perio acabou rindo enquanto secava as lágrimas com o dedo.
- Sabe, Perio Usind - suspirou Emire - pedir desculpas é um tanto esquisito. Nossa vida é curta demais para viver nos desculpando, ainda mais pelo que os outros causaram. Do mesmo modo como é idiota guardar rancor. Sabe que eu poderia facilmente perfurar o coração da Akada com a minha espada, não sabe? A única coisa que me impede de fazer isso é porque eu não dou a mínima para o que uma garotinha estúpida como ela diz ao meu respeito.
Emire estendeu o pano meio sujo de sangue para ele.
- Fique com isso. - disse ela - É para você lembrar que vermelho...
- É sim. - ele sorriu - É de fato uma linda cor.
E então ele saiu, infinitamente mais aliviado. Emire teve que se conter muito para não ler sua mente naquele momento, mas ela não estragaria isso. Apesar de ser uma leitora de mentes incrível, Emire ainda respeitava privacidades e detestava estragar surpresa. O que quer que ela precisasse saber, preferia ouvir da boca da pessoa, e só usava o seu dom em último caso.
Quando Perio saiu, ela deitou-se com um sorriso enorme. Haviam diferenças notáveis entre Perio, o hipnotizador tímido e Escolhido, e Lekso, vampiro gentil, filho de uma rainha psicopata. Todavia, era inevitável para Emire enxergar Lekso em cada gesto de Perio. Era como se ele estivesse ali de novo, o seu melhor amigo, que mesmo tendo passado tão pouco tempo com ela, fizera cada segundo valer a pena.
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Missão Secreta - Parte 2
FantasíaEles já enfrentaram coisas que nem imaginariam; estiveram várias vezes entre a vida e a morte; conheceram novos aliados e amigos; e passaram por muitas Terras atrás de uma simples profecia. Agora é tudo ou nada. Com suas memórias restituídas, e, nou...