Bônus - O passado de Tooth 2

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Os dias se arrastavam, como folhas carregadas pelo vento. Rucca, lentamente, envolvia Tooth com seus sorrisos e palavras doces. A princípio, Samier fizera de tudo para cortar aquela ligação; no entanto, conforme o tempo passava, ela própria começou a se afeiçoar à mulher. Deixou-se levar por lindas promessas e maravilhosas canções. Se viu enfeitiçada, acorrentada a ela de uma forma tão grande, que Tooth já não importava tanto assim. As semanas fluíam, rápidas como correntezas, e mesmo que Samier tivesse ciência de que Rucca estava os arrastando para a morte, ela ignorava isso pelo simples prazer de ouvir outra vez a voz da mulher.

Quanto a Tooth, ele já não fazia nada senão pensar em Rucca. Era fissurado naqueles olhos verdes vazios, no jeito que o vento soprava aqueles cabelos, no aroma delicioso das vilizes. Para Tooth, Rucca era a personificação da perfeição. Ninguém nunca a superaria nesse quesito. Ele estava tão fascinado, que faria qualquer coisa por ela...

E foi desse fato que ela se aproveitou.

Certo dia, depois que a série de tempestades finalmente havia se estinguido e dado lugar a dias belos e ensolarados, Tooth e Samier se separaram. Samier o avisara que sua mãe não estava bem de saúde, portanto ela colheria algumas ervas para fazer um chá. Tooth não discordou - àquela altura, ele a queria bem longe para passar todo o seu tempo na companhia de Rucca.

Tooth estava um pouco encardido, os cabelos bagunçados, os braços ossudos sujos de lama, os joelhos ralados; ele não se sentia apresentável para ver uma moça tão exuberante e impecável, e isso o estava matando de vergonha. Ele era apenas um moleque de treze anos pobre e magricela, que mal podia fazer?

Dirigiu-se rapidamente para o lindo arvoredo, e se sentiu incompleto. Era uma sensação esquisita, que dava-lhe impressão de que estava minúsculo e totalmente vulnerável. Algo faltava ali. No meio daquela vasta clareira, com longas árvores pomposas, com um sol tão bonito, Tooth era patético. Ele sabia o que estava faltando - onde estava Rucca? Hesitante, ele se adiantou. Mesmo se soubesse o que falar, voz não lhe sairia.

Ele a caçou, olhando em torno, mas nada viu além de árvores. Até que um ruído chamou sua atenção.

Um soluço? Havia alguém chorando?

Tooth correu até o som, que partia diretamente da árvore. Ao contorná-la, avistou uma bela jovem encolhida, com as mãos no rosto, chorando baixinho. Cortinas de cabelos negros ladeando o rosto, e um tapete de flores amarelas estendido pelo chão. Tooth, que nunca na vida havia visto uma garota chorar, ficou perplexo. Boa parte do seu tempo, ele passava com uma garotinha de onze anos que desconhecia o termo "chorar", então ele não fazia a menor ideia de como agir; só conseguia ficar imóvel, contemplando admirado, tão inútil quanto uma rocha.

- S-senhorita Morviliz? - chamou, incerto - A senhorita está bem?

Rucca pausou. Prendeu o fôlego e ficou alguns instantes assim, até finalmente relaxar e erguer o rosto. Suas bochechas estavam vermelhas e marcadas pelos rastros das lágrimas. Os olhos ficaram avermelhados, os cílios molhados. Tooth só podia pensar que ela ficava bonita até quando chorava.

- Tudo bem, querido. - ela sorriu - Lágrimas servem para expulsar o sentimento ruim armazenado. Depois delas, o alívio é instantâneo.

Ela se levantou rapidamente, endireitou o vestido de flores e o cabelo. Com as costas da mão, apagou os vestígios das lágrimas.

- Você não deveria se preocupar tanto com as outras pessoas. - disse Rucca, encolhendo os ombros e passando direto por ele - A vida é individual. Nascemos sozinhos, morremos sozinhos. Nossa obrigação é organizar nossa própria vida para que não sejamos um desperdício de espaço.

Tooth tentava entender onde ela estava querendo chegar, mas só uma coisa passava na sua cabeça - aquele sentimento horrível de solidão que ainda estava com ele, mesmo após encontrar Rucca.

- Vamos usar um exemplo - Rucca parou de costas para ele, olhando o horizonte - uma situação hipotética. Você sabe o que acontece quando gêmeos nascem?

Tooth acenou negativamente. Ele tinha uma vaga ideia pelo que ouvia na escola, mas não sabia completamente.

- Um deles acaba ficando com a carga maior. - ela disse - Seus poderes são superiores aos do outro. No entanto, isso acaba se tornando um peso muito grande, e o gêmeo mais forte pode se tornar rebelde ou irritadiço. Em contrapartida, o mais fraco tende a ser mais inteligente e simpático.

Ela se virou, e seu rosto estava tão tranquilo, que se Tooth não a tivesse visto chorando, jamais acreditaria nisso.

- Como você sabe - prosseguiu - Gêmeos são muito ligados. Por essa razão, algumas vezes, o gêmeo mais forte deixa-se ser guiado pelo mais fraco, e esconde o seu poder para não gerar constrangimento no irmão. Sabe o que eu penso disso?

Ele fez que não outra vez. Tooth chegou a pensar que havia ficado mudo.

- Um grande desperdício.

Então ela se aproximou bastante, e tocou seu rosto com a mão macia. Tooth se lembrou imediatamente da primeira vez em que a vira, com aquela cesta de flores e frutas. Seu toque era capaz de acalmá-lo de uma forma que ele não sabia dizer.

- Uma pessoa forte que se esconde atrás de uma mais fraca é tola. - ela piscou devagar - Seu poder é suprimido pelo outro de uma maneira revoltante.

Tooth alternou olhares entre os dois olhos verdes sem pupila da moça.

- A senhorita tem razão.

Ela sorriu mais.

- Você acha que o seu poder está sendo suprimido?

- Acho - Respondeu automaticamente.

- Por quem?

Ele hesitou, mas acabou pronunciando o nome. Era impossível deixar de responder uma mulher tão sedutora quando ela estava diante dos seus olhos.

- Samier.

Os dedos dela escorregaram pelo rosto do garoto e pararam no queixo.

- Acha que deve matá-la?

Uma súbita raiva perpassou o corpo de Tooth. Ele estava irritado. Mas não com Rucca. Curiosamente, sua raiva era por Samier, a sua melhor amiga. Ele se lembrou de todas as vezes em que ela o chamara de idiota, e que o fizera se sentir como um. Se sentiu patético por obedecer uma criança como ela, por abaixar a cabeça sempre que ela brigava com ele. Tooth não sabia de onde partia a fúria, mas ele a sentia nitidamente.

- Eu devo matá-la!

Pobre Tooth. Ele se sentia tão incompleto! Se ao menos ele soubesse que tudo o que ele estava sentido era a ausência de Samier...

(Postarei curtas histórias de 5 capítulos, explicando sobre o passado de Tooth☝, Emire, dentre outros. Obrigada por ler!! *-*)

Missão Secreta - Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora