Metamorfose (Rogi)

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A FLORESTA DE VIPER, a Terra dos Vampiros, não tinha nada de incomum. Na verdade, se Emire não tivesse dito que havíamos chegado ao fim de Beaut, eu não saberia - e é extremamente raro eu não saber alguma coisa, cá para nós. No entanto, algo ali não parecia normal; cada vez que uma brisa passava, era como se trouxesse sussurros em um idioma além do meu conhecimento. Como lamentações, gemidos de pânico e dor aguda. Não era como em Gost, que ouvíamos isso o tempo inteiro - porque ali, em Viper, esses sons não existiam de verdade; eram frutos de nossa imaginação.

- Esse lugar está me dando arrepios - comentou Kolie, ao meu lado.

- Achei que você fosse como uma Lady em sua Terra - disse Rethes - vencendo as batalhas mais impossíveis, desbancando os mais poderosos soldados...

Kolie, que olhava sobre os ombros o tempo inteiro, engoliu em seco.

- Acho que eu prefiro batalhar a entrar em Viper.

Rethes olhou-a com uma interrogação estampada. A brisa fazia seus cabelos brancos ondularem em todas as direções.

- Não conhece a lenda? - continuou Kolie, encarando-a fixamente; algo em seu olhar dizia que o que estava prestes a contar era algo de suma importância - Vampiros foram fortes inimigos dos Bouringor, se aliando a Vindre em troca do dom concedido de andar sob o sol. A maioria morreu na guerra, quando perdeu a bênção, e os que sobreviveram foram enviados para Liberty ou Hope, onde poderiam andar livremente em um dia ensolarado.

- ... porque o sol de Liberty não é um sol de verdade. - emendei - Ouvi essa histórias durante toda a minha infância, mas não parece tão assustador.

Kolie fechou os olhos, balançando a cabeça e seus cabelos castanhos.

- Você não está entendendo. - disse - Viper é a morada dos vampiros, e a grande maioria deles são crueis. A rainha deles, cujo nome é um mistério, é conhecida como Rainha Solitária. Ela se casou várias vezes, e em todas, matou o marido, sugando seu sangue até não poder mais. É quase impossível feri-la.

Eu me lembrava de ter ouvido sobre a tão temida Rainha Solitária, e só conseguia pensar que, se Emire era a mais poderosa rainha de Liberty, talvez a Rainha Solitária passasse bem perto disso. Antes que conseguisse me conter, estava imaginando-as lutando. Como uma Leitora de Mentes de dezesseis anos poderia ser mais poderosa que uma vampira assassina de maridos? Eu não queria pensar nisso agora. Vi Emire lutar uma vez, e ela venceu o general do exército com tanta facilidade, que eu me esforcei para acreditar que ela poderia derrotar a Rainha, se esta interferisse em nossos planos.

Eu estava tão distraído, que me sobressaltei quando uma enchurrada de morcegos aterrissou ao nosso redor. Mal ouvi as ordens de Ryko para permanecermos juntos, e já estava com minhas bombas de vapor numa mão, e a espada na outra.

Os morcegos foram se metamorfoseando, ganhando forma e tamanho. Suas caras foram crescendo, suas asas sumindo e dando vez à braços. Pessoas nuas surgiam, com seus olhos vermelhos ansiosos por um pouco de sangue, e as presas afiadas precipitando-se para fora da boca. Eram todos homens, muito fortes, e não pareciam se importar em estarem pelados no meio de tanta gente - acho que isso era normal por aqui, mas eu realmente não merecia ver uma coisa dessas.

O primeiro vampiro atacou, e logo os outros imitaram o movimento. Os homens do nosso grupo atacaram na defenciva, porque as meninas estavam muito ocupadas ficando vermelhas e envergonhadas. Maky, que não podia ver o que estava acontecendo, permaneceu parada no meio do nada, parecendo apavorada com os barulhos.

- Maky! - gritei.

Maky virou seu rosto para mim, puxando os óculos escuros e revelando seus olhos esbranquiçados.

- Maky, fique onde está - ataquei um último vampiro com minha espada e corri para ela.

Meu coração pulava enquanto eu corria em sua direção. Ela estava ali, parada, com sua boca entreaberta e a ponta da espada apontada para o chão. Atrás de si, uma guerra acontecia, e isso a deixava louca.

Eu estava a poucos passos.

Mas então, como que de repente, um cara apareceu atrás dela, segurando sua cabeça e seu queixo, de um modo que poderia quebrar o pescoço dela com um movimento. Meus passos diminuiram até sumir.

- Essa é uma vampira, certo? - sussurrou ele. Seu cabelo dourado brilhava, sua pele tinha um tom bronzedo. Ele tinha um sorriso tão satisfeito, que eu teria batido nele, se a vida de Maky não estivesse em jogo - A Rainha Solitária estava certa. Uma vampira e um grupo grande de pessoas valiosas. Ela vai adorar ver essa aqui...

A batalha havia cessado, e todos os vampiros adversários estavam mortos, a excessão desse. Ele prendeu os dedos nos cabelos loiros de Maky e puxou-os para trás, forçando-a a erguer o rosto. Ela arquejou, e eu senti um impulso de voar para cima deles.

- Maky Siln Guipe, estou certo? - continuou ele, murmurando perto do ouvido dela - A filha de Kalemida Siln e Kar Guipe. Eu aposto que adoraria ter conhecido seus pais, ao invés da ladra da sua tia.

Lágrimas desceram dos cantos dos olhos de Maky, reluzindo à luz do dia.

- Ouvi dizer que você tinha uma irmã - falou - E que foi ela a razão de você ter sido abandonada.

- Como... - a voz de Maky vacilou - como você sabe tanto sobre mim?

- Não lembra de mim, Maky? - ele virou o corpo dela bruscamente, de modo a olhá-la de frente. Pareceu perplexo ao avistar seus olhos. - Você está... cega?

- Eu tenho certeza de que já ouvi sua voz antes - Ela disse, mais firme. Desse ângulo, eu não podia ver seu rosto, porém a vi arfar - Você é... Ziquel?

O homem, Ziquel, pareceu querer abraçá-la. Mas, no momento seguinte, agarrou-a pelo pescoço, enforcando-a.

- Vamos, Maky! Transforme-se! - berrou - A segunda pessoa mais valiosa de Viper, depois da Rainha Solitária! Transforme-se!

- Ziquel... - ela choramingou, engasgando-se - Ziquel... por quê...?

Os dedos de Ziquel se apertaram ainda mais ao pescoço de Maky. Senti a raiva se assentar atrás dos meus olhos, borbulhando. Cerrei os punhos.

- Se você não se transformar, eu te mato.

Maky engoliu em seco.

- Maky! - gritei para ela - Não faça o que ele quer!

Mas era tarde demais. Maky já estava se transformando, se metamorfoseando em morcego. Logo não havia mais a moça baixa e magra de cabelos loiros, e sim um pequeno animalzinho preto, voando. Ela teria tempo de fugir, se Ziquel não segurasse suas asas.

Eu estava começando em entrar em pânico, quando Ziquel se transformou também e, com suas pequenas garras presas às asas de Maky, voou com ela até os perdermos de vista.

- Não! - corri até onde eles estavam há pouco - Maky!

Senti uma mão pesar em meu ombro, mas eu estava tão desnorteado que sequer vi quem era. Todos estavam quietos. Finnie parecia chorar.

- Nós iremos salvá-la. - disse Tooth e, só então, percebi que a mão em meu ombro era dele - Nós temos uma pista.

Virei-me para ele, determinado. Tooth estava sério, como habitualmente.

- Nós iremos ao palácio - falei - Enfrentaremos a Rainha Solitária e resgataremos Maky.

Missão Secreta - Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora