O fim de Beaut (Rogi)

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HAVIA UM GAROTO; um garoto que nunca conheceu os pais, e foi criado pelos avós em uma casinha simples de Mifia, a Terra dos Videntes. Este garoto cresceu escutando sobre o quão importantes
eram a valentia, a força, a perseverança. A coragem, a lealdade. A confiança. Este garoto entendia sobre prioridades, e ele tinha as dele: encontrar sua mãe e honrar seus avós.

Este garoto era eu.

Eu aprendi a lutar pelos meus ideais, e a manter a mente sã em tempos de guerra. Eu precisava encontrar minha mãe; não queria morrer antes de ver seu rosto, antes de olhar em seus olhos - eu não podia. Meus avós haviam sido excelentes, e por mais que eles repetissem que minha mãe não se importava comigo, que havia me abandonado, eu simplesmente não conseguia acreditar. Precisava encontrar minha mãe; mesmo que nos meus últimos dias de vida, mesmo que por um segundo.

- ... só sei que agora que eles... Rogi? - Tooth estava falando sem parar, esclarecendo suas teorias, quando percebeu que eu devaneava - Tudo bem? Você está com aquela cara de novo.

Olhei para ele, que me estudava como se tivesse nascido um chifre na minha testa.

- Aquela cara?

- Olhos fixos, maxilar apertado, cenho franzido... - citou ele - como se tivesse planejando um assassinato.

- Não é nada. - suspirei - Do que estava falando antes?

O rosto de Tooth se iluminou, e seus olhos castanhos cintilaram. Parecia que eu tinha dito exatamente o que ele queria ouvir.

- Bem, eu falava que agora que os Escolhidos estão livres da Névoa da Amnésia e podem lembrar perfeitamente, talvez eles tenham um outro olhar sobre a situação. - continuou ele - Agora que podem ver com clareza, suas opções são múltiplas.

- Está dizendo que alguns irão se opor a vir com a gente? - estreitei os olhos.

Tooth diminuiu o passo, abaixando a cabeça e enfiando as mãos nos bolsos. Seu cabelo preto já estava quase completamente seco desde nosso banho no riacho.

- Sim, Rogi. É disso que estou falando.

Quando conheci Tooth, aprendi a olhar as coisas por outras perspectivas. Era como se ele fosse o olho esquerdo e eu, o direito. Por essa razão, era inevitável tentar entender seu ponto de vista. E... Tooth tinha razão. Desde que recuperei minha memória, os novos Escolhidos recrutados foram Perio Usind, que aceitou bem a situação, e Akada Jaquid, que não queria ir com a gente de jeito nenhum. E se os próximos também se recusassem? E se tentassem nos parar? Eu não podia ignorar o pensamento.

Pelas próximas quatro horas, andamos, com pausas ocasionais e em linha reta. Meus pensamentos vagueavam para minhas antigas lembranças, as quais eu passara tanto tempo sem ter acesso. Lembrei-me de quando minha vó, dona Brigd Tope, lia para mim sentada frente à lareira. Ela me ajudava a aperfeiçoar minha leitura e minha evolução com relação à outros idiomas, já que eu não era tão bom assim em lidar com conjuntos de pessoas. Meu avô, Joth, era muito bondoso e esforçado. Costumava me auxiliar em Aprimoração de Dons e trabalhar minha força física. Lembrava-me de nós dois - eu, um molequinho de doze anos, e ele, um homem sábio e experiente - sentados em uma sala vazia tentando nos concentrar, para que eu tivesse previsões claras do futuro. Me senti mal por ter esquecido deles; duas pessoas fundamentais para o meu desenvolvimento, que haviam sido totalmente apagadas das minhas memórias.

- Queridos bebezões azuis! - Emire gritou.

- Bebezões azuis? - algumas pessoas disseram em uníssino. Emire apenas girou os olhos.

- Bebês são fofos, e azul é uma cor legal - explicou, colocando as mãos na cintura. - É um ótimo apelido!

Ela estava parada de frente para o restante do grupo, como se fosse dar uma palestra. Seu cabelo preto e liso que alcançava os ombros estava um tanto bagunçados, e sua pele pálida exposta ao sol poente se tornava ainda mais pálida.

- Eu quero dizer que chegamos ao fim da minha linda e maravilhosa Terra.

- Não vejo nenhuma barreira, nem divisória, nem nada - salientou Kolie, cruzando os braços.

- Deve ser porque na Terra dos Vampiros não existem divisórias - Emire rolou seus olhos castanhos novamente.

- Há apenas um encantamento para vampiros. - Maky falou, hesitante, ao meu lado - Um encantamento que impede que vampiros passem, tanto em sua forma humana, quanto na forma de morcego. Caso tentemos sair, sofremos uma dor absurda.

- Isso é horrivel - sussurrei, olhando para Maky, que estava com seus óculos escuros e sua expressão séria.

- Ponto para você, bebezão azul. - Emire riu - Podemos entrar e sair facilmente, e até Maky pode entrar, mas não sair.

Tooth ergueu a mão, e Emire apontou para ele, dando-lhe uma chance de falar.

- Então devo presumir que invasões de outras Terras sejam comuns na Terra dos Vampiros, correto?

- Não. - Emire disse, alegre - Errado. Pessoas de outros dons não são tolas ao ponto de ir de encontro à uma armadilha. Vampiros, por mais que sejam péssimos lutadores, ainda são sugadores de sangue. Alguns, como a Maky, podem perfeitamente se alimentar de comida humana e se sentir saciados. Outros optam por sangue de animais e carne crua, o que lhes trará mais saúde, força e um maior poder de cura. Porém, ainda há os apreciadores de sangue humano, que não são tão raros assim. Esses são, sem dúvidas, os mais poderosos, podendo se curar dos mais graves ferimentos em pouco tempo e tendo uma saúde enorme.

Vi Maky abaixar a cabeça, com o canto do olho. Seus cabelos loiros esticados formaram uma cortina, escondendo seu rosto.

- Maky, você...

- Rogi, fica quieto. - ela me interrompeu, sussurrando - Não tente me consolar ou fazer parecer que eu sou digna de pena. Eu sou uma vampira. Devo aceitar que nem todos por aqui são bons.

- Quem disse que eu ia falar isso? - arqueei uma sobrancelha - Eu ia dizer: Maky, você pode esmagá-los, se quiser.

Maky voltou-se para mim, e seu sorriso foi tão grande e iluminado, que eu acabei sorrindo também.

- Você é bobo - ela riu - mas tudo bem. Eu gosto disso.

Maky era incrível; doía-me saber que ela nunca veria o meu rosto, que nunca saberia como sou de verdade. Ela só conhecia minha voz, e nada além disso.

- Bebezões - Emire disse, num tom sussurrante - o que fazemos ainda parados aqui?

Como se essas palavras tivessem nos despertado, começamos a andar. No meio do caminho, acidentalmente escutei a conversa entre Lorde Ryko e a Rainha Emire.

- Majestade, a senhora não pode continuar chamando eles de bebezões azuis! - disse o Lorde, aos murmúreos.

- Por que não? - Emire continuou andando, com um sorriso de orelha à orelha - A Sizy sempre diz que eu devo expressar o que eu penso. Eles são fofos e legais. Como bebês azuis.

- Mas, Rainha, isso não soa bem...

- O que vai soar bem é som da minha mão na sua cara - ela riu alto - Paft! Que lindo som. Hm... acho que quando eu tiver um dragão, ele se chamará Paft.

Ryko estava começando a perder a paciência com a rainha mais jovem, mais poderosa e mais louca da atualidade.

- Majestade, a senhora...

- Cala a boca, Ryko - sibilou ela - Eu sou uma senhorita!

- Ok, senhorita Calist Amarelo!

- Calist Amarelo?

- Um Calist é desagradável, e amarelo é uma cor feia. Satisfeita?

Emire deu de ombros.

- Amarelo é lindo, ok? O sol, as flores, o cabelo da Sizy... sem contar que as melhores frutas de Liberty são amarelas.

Ryko acabou desistindo da discussão e indo se juntar à Kolie, que conversava com Perio. Ao longe, pude vê-lo cochichar alguma coisa com ela, e provavelmente tinha relação às estranhezas da Rainha Emire Juuz.

Missão Secreta - Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora