O que eu sinto por ela? (Perio)

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Por nenhuma razão específica, eu despertei daquele sono perturbado, fazendo um esforço para conseguir me sentar e encarar aquilo tudo. Corri as mãos pelos cabelos, sentindo sua textura nada sedosa, e assim fiquei por longos instantes.

Aquilo estava sendo o maior pesadelo. Não apenas por estar preso, mas por ter que assistir a Emire ser torturada todos os dias sem poder fazer nada para defendê-la... era o ápice do sentimento de inutilidade.

Assim que ergui a cabeça, meus olhos captaram ela, sentada em um canto encolhida, com seus olhos furiosos vidrados na parede oposta e o cabelo totalmente desgrenhado. A Emire não sentia ódio, isso estava longe da sua capacidade; ela era classificada como psicopata justamente por não apresentar sentimento algum grande parte do tempo, mas agora ela estava colérica.

Era talvez a terceira noite que eu despertava e ela estava assim, do mesmo jeito. Isso literalmente minava minhas forças e vontade de viver, porque eu sabia que não havia nada que eu pudesse fazer.

A irmã dela estava morta. E ela só descobrira isso agora.

— Emire...

Minha voz era um gemido, porém ecoava pela grande sala vazia. Emire não se moveu, não piscou, não fez nada pelo que pareceram grandes minutos.

Sem forças para me levantar, rastejei até ela e parei a uns dois metros, apenas para ter uma melhor visão do seu rosto. Foi assim que ela virou-o para mim e eu notei os menores detalhes, como as bochechas coradas, os lábios rachados e as olheiras profundas. Mas ainda assim, não havia qualquer expressão ali.

— Eu vou matar aquele cretino.

E assim, ela se levantou de súbito, esbarrando em mim e avançando para o meio do salão, passando a zanzar de um lado para o outro.

— Quem aquele monte de merda acha que é? Eu sou Emire Juuz, meu filho, Emire Juuz! — Ela apontou para o próprio peito, dando ênfase ao seu nome. — Eu matei a Rainha Solitária, eu ganhei títulos importantes, venci mais guerras do que consigo me lembrar.

Pestanejei enquanto ela falava sem parar; eu já a conhecia por algum tempo, mas suas súbitas mudanças de comportamento tendiam a me pegar desprevenido todas as vezes.

Emire jogou seu cabelo preto para trás dos ombros — mas eles sempre voltavam ao lugar original — e então sentou-se de pernas cruzadas no chão rapidamente, feito uma criança, inflando as bochechas e inclinando a cabeça para o lado uns centímetros.

— Você não acha, Perio?

Franzi o cenho, sem conseguir evitar a estranheza em sua mudança repentina de atitude. Busquei olhar mais os objetos ao redor do que o rosto dela, afinal era difícil conversar com muitas personalidades diferentes  em uma pessoa só. Me virei totalmente para ela e cruzei as pernas do mesmo modo.

— É claro, majestade. Mas como faria isso sem a sua espada?

Ela murchou instantaneamente ao ouvir isso.

— É. Talvez a gente mereça morrer aqui. Estamos sozinhos, não fomos capazes de proteger as pessoas importantes para nós...

Senti um gelo na espinha ao lembrar do Lorde Ryko e da forma brutal como ele morrera, no castelo da Solitária. Ele fora um bom tutor, e eu ainda pensava muito em todo o tempo que passara enxergando-o como minha família. Talvez Emire tivesse razão... Talvez nós apenas devêssemos abraçar a morte como uma boa e velha amiga.

— Hey — Emire se arrastou um pouco para mais perto de mim, sem sair de sua posição inicial. — Já que a gente vai morrer, o que acha de trocarmos um segredo?

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⏰ Última atualização: Oct 25, 2020 ⏰

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