O abusadinho (Stiven)

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LEVAMOS ALGUMAS HORAS para nos recompor e criar coragem de voltar até onde estava o dragão. Se essa decisão coubesse a mim, eu claramente não retornaria àquela fera de maneira nenhuma. É como Akada disse quando a conhecemos - caminhar para a morte de livre e espontânea vontade era burrice. Mas... obviamente, eu pagava um alto preço por participar de um grupo tão desmiolado como aquele.

Eu fui obrigado a ir.

Francamente, eu estava começando a achar Jolie e Lowos uns gênios perto daquele bando de dementes. Por que uma pessoa, em sã consciência, seguiria Emire Juuz? Só porque ela era a mais poderosa, não queria dizer que fosse a mais inteligente. Suas habilidades como líder eram quase inválidas perto das do Lorde Ryko. Pensando bem, até eu liderava melhor que ela.

Assim que chegamos ao dragão, todos nós ficamos surpresos ao vê-lo caído. Sua grande cara estava desfigurada, mas os olhos ainda estavam intactos e cerrados. Suas longas asas estendiam-se como um imenso cobertor transparente, sobre a grama incinerada e os galhos incendiados. Era uma verdadeira cena catastrófica, de tirar o fôlego.

A princípio, acreditei que havíamos matado o animal em nosso confronto. Talvez ele estivesse machucado e exausto, e acabou falecendo logo após a nossa partida. Essa teoria era até plausível, mas então avistei uma montoeira de cabelos negros sobressaindo-se perto do pescoço da fera e tudo perdeu o sentido.

Aos poucos, os outros foram avistando aqueles cabelos e se sobressantando.

- Ei! - gritou Rethes, precipitando-se - Ei! Você aí!

Abaixo dos cabelos escuros surgiu um par de olhos azuis curiosos e, em seguida, todo um rosto. Era um rapaz jovem e meio aborrecido, que parecia bem entediado, como se matar dragões de oito metros fosse algo comum.

- Olha, que sorte - comentou ele, antes de abaixar a cabeça outra vez - várias garotas bonitas juntas...

Nos adiantamos, contornando o dragão para chegarmos até onde o garoto estava. Olhando-o mais de perto, calculei que fosse um tanto mais novo que eu; suas roupas estavam imundas, mas em boas condições comparado às nossas. Sua jaqueta deveria ter sido branca algum dia, todavia agora estava mais para amarelo amarronzado. Sua calça estava gasta e muito larga, contudo, nenhum rasgo se encontrava nela; e seus sapatos estavam completamente cobertos de lama. As mãos encardidas lutavam para desamarrar algo preso à pata dianteira do dragão - uma corda fina com um pingente de chave dourado pendurado à ela.

- O que você está fazendo? - exigiu Emire.

O rapaz sequer a olhou, concentrado demais no que fazia.

- Cantando e dançando, o que parece? - retrucou ele, nada educado - Kalixa me mandou aqui. E vocês ajudariam bastante se parassem de fazer perguntas.

Tentei segurar uma risada, e levei uns três tapas de pessoas diferentes por isso. Ver Emire Juuz ser tratada assim era libertador.

- Como... - Rethes começou hesitante - como matou o dragão?

O garoto se interrompeu e levantou um olhar mal humorado para ela.

- Você é surda? - disparou. - Mandei parar de encher o saco. Thau! Voltem por onde vieram.

Phill se adiantou, mas Hanna segurou seu braço. Pelo que eu conhecia do meu amiguinho bipolar, não era preciso uma grande coisa para ele endoidar e voar em qualquer um. Azar o dele; eu adoraria que ele pudesse se divertir como eu estava me divertindo.

Rethes,  assim como Phill, fez que iaavançar, mas conteve-se.

- Quem é você? - ela perguntou entredentes.

O garoto bufou e largou a corda, limpando as mãos nas calças. Estão, finalmente, ele se levantou. Sua expressão demonstrava o quanto o estávamos tirando do sério.

- Se eu disser, vocês vão embora?

- Se você responder três perguntas - Emire se pronunciou - aí, nós vamos embora.

Ele revirou os olhos.

- Vamb - disse - Vamb Nesguior, esse é o meu nome. Sou um confundidor.

Ele apoiou as mãos na cintura, aguardando as outras perguntas. Emire podia ler mentes, no entanto, sempre esteve claro que era surpreendentemente difícil ler a mente de hipnotizadores e confundidores. Eles tinham métodos fascinantes de camuflar seus pensamentos que, com a devida prática, tornava quase impossível para um telepata ter acesso a sua mente.

- Como matou o dragão? - indagou Emire.

- Eu tenho um dragão, OK? - ele ergueu as mãos, rendendo-se - Ganhei-o em uma troca, e esse é o meu trabalho. Eu saí de Fillians para fazer negócio em Viper, mas acabei me dando mal. Agora o único meio de voltar é me submetendo às missões de Kalixa. Usei meu dragão para isso, depois mandei-o voltar e me deixar aqui.

- Mas... - raciocinou Kolie - por que não voltou com seu dragão?

Vamb relanceou o olhar para ela, e seus olhos mudaram para verde.

- É um dragão de porte pequeno que não alcança vôos muito altos, menos ainda quando carrega alguém.

Ele deu um sorriso final e tornou a se abaixar, dando a conversa por encerrada.

- Espere! - disse Emire - Eu não fiz a última pergunta! Você é um Escolhido?

Vamb a ignorou por completo, como se não existisse ninguém ali além dele próprio.

- Argh - Emire bateu o pé, olhando acusadoramente para Kolie - te odeio.

- Sou. - respondeu Vamb, de repente. - Eu sou um Escolhido.

Todos paramos para observá-lo. Seu modo automático de dizer aquilo só podia significar que ele não se importava mesmo com ser ou não um Escolhido. Ele não iria com a gente.

Depois de certo esforço, ele por fim conseguiu soltar a cordinha amarrada ao pé do dragão. Apossou-se dela como se fosse a coisa mais valiosa que ele já vira, e então guardou no bolso da jaqueta. Quando tornou a nos olhar, seus olhos estavam amarelos cintilantes.

- Certo. - disse Vamb, com um suspiro - Eu tenho uma casinha na Terra dos Metamorfos, que eu consegui depois de muitas trocas e trabalhos - ele varreu cada um de nós com o olhar. Inicialmente, parecia um olhar confiante e superior, mas em seguida ficou claro que ele estava apenas cansado. Cansado de ser usado e controlado por um líder sádico - podem ficar lá por uma noite. Só preciso de um tempo para decidir se eu vou seguir para Afraid com vocês.

Vi Akada apoiar o peso do corpo em uma perna, enquanto colocava as mãos nos quadris.

- Eu não iria se fosse você.

- Akada! - protestou Phill.

Akada bufou e jogou sua moita de cabelos cacheados para trás dos ombros.

- Que foi? - falou - Estou sendo sincera. Vocês são todos esquisitos viciados em guerra e que acham que vão conseguir grande coisa se entregando para a morte. Aceitem: a caça ir de encontro ao caçador é uma tremenda estupidez.

Eu quase aplaudi, afinal, Akada traduzira o que eu vinha pensando havia semanas.

Vamb passou os dedos pelo cabelo e passou direto por nós, sem nem parar para ver a expressão de ninguém. Quando estava a certa distância, ele gritou:

- Não sou burro, nem fraco, muito menos covarde. Eu sei muito bem cuidar de mim mesmo, e o que é ou não melhor para mim. A opinião de uma adolescentezinha fresca não é nem um pouco relevante.

Olhei imediatamente para Akada, a ponto de ver seu rosto ficar rubro. Ela prendia a respiração de tanta raiva.

- Você também é um "adolescentezinho"!

Ele reprimiu uma risada, sem nem parar de andar.

- Em matéria de maturidade - disse - estou a anos luz de vocês.

Missão Secreta - Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora