Capítulo 50 ........... Suspeitas

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Scarlatti Narrando


Não tinha outra explicação para mim. Enquanto via Dylan sair de casa, depois de me dar um beijo na pontinha do nariz, eu não conseguia não fazer as comparações. Os traços sempre estiveram ali, muito bem escondidos e disfarçados por trás de um par de olhos azuis e um outro verde - ou castanhos. O tom de pele era o mesmo, a expressão forte no rosto e o maxilar igualmente. Até mesmo a altura. Dylan era mais baixo que Derik, porém da altura de Jorge Lucas. Depois de ouvir toda a história de Jorge, eu não pude concluir outra coisa: Eles eram irmãos.


- Num... Num orfanato? - Eu não soube como reagir a princípio, quando ele me soltara aquela bomba. No mesmo instante minhas memórias regressaram até Dylan, contando-me sua história. Não podia ser. Seria ironia demais do destino.

A minha frente, Jorge Lucas assentiu em confirmação.

- Minha mãe havia entregado-o ali, mas, segundo ela, nunca deixou de visita-lo. O lugar era provido de um grande pátio onde, através da cerca de grade, era permitido a qualquer um que passasse por perto admirar as crianças brincando. Ela me disse ir lá sempre que podia, mas raramente o via. Por Joãozinho ter apenas dois anos, as tias responsáveis pelos menores quase nunca os levavam para fora. Somente depois de um tempo, ela me disse, entendeu o horário estabelecido por elas. As crianças pegavam sol na parte da manhã, enquanto que os maiores, os que sabiam brincar, aproveitavam na parte da tarde.

- Como eu estudava de manhã, não via minha mãe sair para lugar algum. E antes, quando ainda éramos moradores de rua, eu sempre estava fora, esmolando nos sinais sob a supervisão do meu pai. Minha mãe queria ter pego Joãozinho de volta. Ela chegou a entrar em contato com o orfanato. Ia sempre que podia, mas quando fora atendida, a coordenadora responsável pelo local lhe disse que não havia nenhum João Padro residente por lá, ao menos não com a idade que ela alegava. Foi o dia em que eu a peguei chorando, dizendo que o perdera para sempre.

- Não tinha como minha mãe identificar meu irmão apenas dizendo que fora um menino que havia sido abandonado ali na porta. Várias daquelas crianças foram ingressas da mesma forma na instituição.

- Ela... Ela não podia ter indicado? Se ela o via todos os dias, ela saberia quem era... - eu tento apontar. Sendo mãe, ela reconheceria seu filho em qualquer lugar.

Jorge negou com a cabeça, a expressão do rosto ainda desfigurada em dores.

- Não havia como. Durante um tempo ela foi privada de vê-lo. Meu pai. Aparentemente eu era o único que sabia de tudo. Ele a impedia de visita-lo, alegava que seria menos doloroso para ela, e futuramente para João. A ideia de deixa-lo no orfanato havia sido dele, primeiro de tudo. Minha mãe agiu com o coração, não com a cabeça. Meu pai agiu com ambos. Era Joãozinho, ou eu. A única coisa que os impediu de me levar no lugar do meu irmão fora a idade. Eu podia ajudar meus pais, enquanto que Joãozinho só dava mais despesas. Minha mãe diz que foi a pior escolha da vida dela.

- E vocês... Vocês nunca conseguiram acha-lo? - Minha garganta ardia, embargada com o choro preso.

Jorge suspirou e voltou a umedecer os lábios. A forma como ele me faz lembrar Dylan naquele momento fora brutal. Mas não podia ser... Deus, não era possível que justo eles fossem irmãos!

- Quando minha mãe me contou isso, parte disso, não havia nada que eu pudesse fazer. Meu pai a encorajava a deixar isso quieto, não queria remexer o passado. Ele dizia que o filho havia se livrado do mal que os precedia. Com o tempo, mamãe foi cedendo, mas eu ainda a via chorar, sempre observando o céu pela janela da cozinha. Quando me flagrava observando-a, me puxava para junto de si num abraço forte... e dizia que me amava. Eu sabia, contudo, que aquele eu te amo não era de fato para mim. Era pra Joãozinho. - Jorge engoliu a seco, a lembrança marejou seus lindos olhos azuis.

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