Scarlatti Narrando
Perdi a conta de quantas vezes liguei para Dylan. Queria ter ido até ele novamente. A todo instante, me pegava pensando nisso, mas então lembrava-me que a casa do seu irmão já não era mais um território amigo para mim. Pelo que conheço do Derik, não duvido que tenha proibido minha entrada. Agora, tudo o que me restava eram fotos e lembranças. E um vazio. Um vácuo no peito.
Na noite anterior, depois que Nora deixou-me em casa, não demorou para que eu desabasse. Foi somente o tempo dela virar as costas. E a dor nunca foi tão insuportável. Vigorosa. Amarga. Quando dormi, não me dei conta, e acordei sentindo-me tão péssima quanto na véspera. Amanhecer numa cama vazia, sem a presença dele, fez meu corpo tremer, minha alma se encolher e meu coração se despedaçar. O silêncio na casa era estranho, estrondoso, e seu tamanho nunca me pareceu tão enormemente exagerado. Embora tudo parecesse bom, estava péssimo. O dia ensolarado, e meus sentimentos tempestuosos.
Ouvi quando o interfone tocou, na cozinha. Estava vagando por ali no exato momento, como um fantasma vivo, só que com nariz entupido e olheiras debaixo dos olhos vermelhos que quase iam até as minhas bochechas. Eu sabia que era dona Eugênia e suas filhas, vindo para mais um dia de trabalho. Vislumbrei através da pequena tela suspensa na parede, suas silhuetas e seus rostos preocupados enquanto apertavam desesperadamente o interfone. Não atendi-as. Não queria falar com ninguém. Não queria ver ninguém. A única pessoa a qual eu estava disposta a falar e ver, não me queria por perto nem pintada de ouro. Quanta contradição.
Meu tour pela casa perdurou quase toda a manhã. Meu celular tocou de algum canto incontáveis vezes, mas não era o toque Dele. Eu revivia cada momento com Dylan naquela casa; em cada cômodo, uma memória diferente. Simultaneamente falando, não existia melhor conforto ou tortura.
Já no andar de cima, quando enfim venci as escadas, estava exausta e com falta de ar. Apoiei-me no corrimão um segundo, buscando por fôlego. Ja recuperada, caminhei até nosso quarto. Segurei as lágrimas ao tocar a maçaneta. Meu peito subia e descia rapidamente e eu tentei conter a emoção. Meu coração errando os compassos das batidas já tão ensaiadas.
Criando coragem ao abri a porta, minhas mãos voaram até meu rosto. As lágrimas retesadas caíram, acompanhadas de um choro inconsolável. O tanto de imagens que tomaram minha visão no instante em que entrei naquele espaço, abalaram fortemente meu emocional. Minhas estruturas já falidas foram ao chão. Nunca antes senti tanto uma perda. Em meu peito, a sensação era como se Dylan tivesse se ido, partido dessa para outra. E tudo porque eu sabia que o havia perdido. Eu so torcia para que não definitivamente.
Fragilizada, em plenos soluços, eu adentrei de vez no recinto. Nossa cama ausente, agora ocupando espaço na biblioteca juntamente com uma cômoda onde dividíamos algumas poucas roupas, deixou no quarto um espaço muito mais vazio que de praxe. Era mórbido. A porta do banheiro encontrava-se fechada, mas o closet estava aberto. E na maçaneta de uma das portas, uma camisa azul pendurada. Vestígios de que ele havia passado por ali. O furacão Dylan.
Eu quase sorrio ao notar que seu dom para desordem ainda continuava intacto. Mesmo ele se esforçando tanto para mudar este teu lado. Mas a dor me impedia de esboçar qualquer reação adversa a ela. Então meu quase sorriso não saiu.
Não conseguindo me segurar, eu caminhei vacilante ate o closet. Descobri que a camisa azul que Dylan deixou para trás não foi sua única arte. Mais duas blusas estavam caídas no interior, e uma bagunça de cabides era visível mesmo de longe na arara. A vontade de bater em Dylan veio junto com um aperto no peito, que já me era uma constante companheira.
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RENDIDOS
Chick-LitEm RENDIDOS, o segundo volume de Minha Tentação, primeiro livro da série 3 Irmãos, Dylan Sanchez e Scarlatti exploram a possibilidade de um futuro novo ao irem morar juntos. Três meses se passaram desde a tragédia de terem perdido o filho, e isso ai...