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Acordei me sentindo uns vinte quilos mais pesado que o normal, forço meus olhos a abrirem mas volto a fechá-los, não lembro muito bem da noite anterior, me esforço um pouco e as imagens do meu namorado com aquela biscate invadem meus pensamentos. Sinto meu peito apertar, não quero acreditar, não posso acreditar que por um ciúme idiota ele me traiu, apenas para me provocar ciúmes também, ou será que sou tão idiota a ponto de acreditar que ele me ama, quando na verdade só está me usando para satisfazer seus desejos e seus caprichos.

Merda. Como posso ser tão estúpido, e acreditar que alguém pode me amar, merda, merda, merda, sempre soube que o amor não é para mim, mas em um momento de fraqueza, um momento de idiotice, de burrice, me deixo levar por uma ilusão, como pude acreditar que seria feliz, que em algum momento ele me amou. Droga Christian, as pessoas não sabem amar, são calculistas, só pensam em si, já sofri muito, lembro do que aconteceu tempos atrás, o amor dele, que só existiu em minha cabeça, curou essa ferida, mas abriu uma maior ao me enganar.

Maldito crush, maldito amor, maldito Robert.

Estou sem forças para lutar contra meu inconsciente que insiste em me torturar mais e mais com esses pensamentos, e o pior é que ele está certo. Mas parte de mim ainda torce para que tudo isso seja apenas um pesadelo.

Me obrigo a levantar, e então percebo que não estou na casa de Robert. Agradeço mentalmente, pois não quero encontrá-lo tão cedo. Faço minha higiene matinal e saio do quarto, encontrando Lipe e meu pai na sala, que apesar de abrirem sorrisos largos para mim, ainda consigo notar a preocupação no olhar de ambos.

– Bom dia. - falo desanimado, e dou um beijo no meu pai.

– Bom dia, está mais tranquilo? - meu pai pergunta, afagando meu rosto.

– Estou mais calmo, mas ainda estou desabando por dentro. - falo, suspirando em seguida.

– Pode nos contar o que aconteceu, se quiser. - Lipe fala com cautela, como se tivesse medo de que eu o tratasse mal. Suspiro.

– Peguei o Robert na cama com a Rebecca. - jogo a bomba neles.

Meu pai se levanta num pulo, totalmente alterado, e Lipe fica sem reação por um momento até a ficha dele cair de vez, sua expressão se transformando em raiva.

– Como ele pode fazer isso com você? - Lipe grita como se com aquele surto Robert pudesse ouvi-lo.

– Aquele desgraçado vai me pagar, ah se vai, ninguém brinca com os sentimentos do meu filho. - meu pai fala calmo, mas num tom frio que faz meus pelos se arrepiarem.

– Pai, não vai fazer nada, é uma decisão minha. Mas não quero vê-lo agora. Então, se puder me abrigar aqui, vou te amar muito, Lipe. - digo e sinto uma lágrima descer, mas como estou de cabeça baixa, nenhum dos dois percebe, e eu a seco.

– Claro que sim, somos amigos para isso. - ele responde mais calmo, mas ainda posso sentir sua respiração acelerada.

– Não prometo nada, a única coisa que prometo é que se você não quer vê-lo, então não vai vê-lo. - meu pai volta a se sentar e me abraça de lado.

– Obrigado, papai, obrigado aos dois. - falo já sentindo as lágrimas inundarem meu rosto. 

ººº

Os dias se arrastam lentamente, as horas parecem ter preguiça de passar. Já se passaram duas semanas desde que Robert me traiu. Continuo no apartamento de Lipe, que tenta a todo custo me animar. Claro, passamos ótimos momentos juntos. Sempre que estamos juntos, a dor que sinto parece adormecer, mas a cada momento ela desperta mais intensa. Tinha esperanças de que o tempo curasse a ferida que ele deixou em mim, mas novamente estou enganado. Cada dia que passa, cada momento, cada hora, a dor aumenta. Sinto-a dilacerando lentamente por dentro. Não tenho mais lágrimas nem forças para chorar. Apenas sinto a faca ser cravada um pouco mais fundo a cada vez que a cena invade meus pensamentos.

O ano novo passou comigo deitado ali, ouvindo os fogos de artifício estourando no céu. Ali deitado, os fogos se misturam com as batidas insistentes do meu pai na porta do quarto, tentando me convencer a sair e me divertir com ele. Tenho a certeza de que, apesar de ele não me amar tanto quanto eu o amo, continuarei amando-o, apesar da sua traição. Talvez por esse motivo, agora estou caminhando em direção ao parque abandonado. Pela primeira vez desde que tudo aconteceu, estou saindo do apartamento de Lipe. Não vale a pena me afundar em uma fossa por um amor que jamais conseguirei afogar, por mais profunda que seja essa fossa. Tentarei ao menos viver, mesmo que não haja mais motivos para isso.

Fico horas ali sentado no balanço, sentindo-o balançar suavemente como se fosse uma massagem na minha alma ferida. Gosto de ficar ali, sinto-me em casa.

Meu celular toca, e quando olho o monitor, é meu chefe.  

- Posso saber por que você não está vindo ao trabalho? - ele pergunta ríspido. 

- Desculpe, senhor, amanhã sem falta estarei aí. 

- Ótimo. - ele responde e desliga chamada.

Aquela ligação me dá um choque de realidade. A vida não vai parar só porque a minha está uma bagunça. Tenho obrigações a cumprir, e as pessoas não são responsáveis pelas minhas dores.

Volto para casa determinado a seguir em frente, mesmo que seja apenas uma fachada, uma armadura criada para esconder as crateras abertas dentro de mim.

Doce Vizinho. (ROMANCE GAY)Onde histórias criam vida. Descubra agora