Prólogo

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Levantei-me disposta a contemplar o lindo jardim que minha janela revelava. Era a única coisa bonita e com vida que existia diante daquele quarto sombrio e que cheirava a gente louca. Contempla-lo de certa forma me aliviava, acalmava-me e fazia com que minha mente vagasse para qualquer outro lugar que não aquele.

Todos acreditaram que a internação seria o melhor para mim, mas a verdade, é que eu me encontro cada dia pior. Fraca, debilitada, covarde, dependente, digna de pena. O tédio era a minha morada e os dias uma tortura constante.

Talvez o melhor adjetivo para dar a minha pessoa seria um zumbi. Olheiras que insistiam em emoldurar meu rosto e poucos cabelos que preenchiam minha cabeça. Não há nada pior para uma mulher do que se olhar no espelho e não se reconhecer, não se sentir bela ou desejada. Minha autoestima havia sido cortada, pisoteada e jogada fora juntamente com os meus longos cabelos. Cabelos os quais eu amava, os quais me passavam confiança e que faziam eu me sentir desejada. Cabelos que foram cortados até o topo porque penteá-los, tratá-los, era impossível.

Não somente os cabelos me foram tirados, mas a família, os amigos e o homem o qual eu constituiria uma família. Foi tirado meu sorriso, meu brilho e a minha vontade de viver. Algumas pessoas diziam que eu estava exagerando em pensar assim. Mas ninguém sabe o que é passar um dia após o outro com uma doença crônica. Só quem tem fibromialgia sabe o que é viver assim. Uma doença sem cura, e que no estágio mais avançado, é ainda mais difícil de tratar. Uma doença que eu levaria a vida toda.

Eu era feliz. Tinha uma vida alegre e agradável. Nunca me faltara nada. Tinha pais que me amavam, uma irmã mais velha, uma melhor amiga e um noivo. Este último era lindo. Os cabelos louros, lisos e penteados para trás, os olhos de um verde intenso – Um verdadeiro gentleman. Seu corpo era totalmente escultural, tão próximo à perfeição e de uma incrível desenvoltura quando fazíamos amor.

Ele era dez anos mais velho do que eu. Lembro-me como se fosse ontem. Eu estava sentada na primeira fileira do teatro contemplando um espetáculo de música clássica, quando ele se sentou ao meu lado. Sua fragrância logo me chamou a atenção. Como que por instinto eu o olhei de soslaio e pude ver o quão belo era. Sorri por toda a sua beleza e pelas sensações que estar ao seu lado me proporcionavam.

Ele percebeu e sorriu também se dirigindo a mim. Meu coração saltou no mesmo instante ao se deparar com o mais belo sorriso. Foi então que tudo começou, saímos algumas vezes até que ele me pediu em namoro e depois noivado, mas como nada é para sempre, acabou. Acabou rápido, do mesmo jeito que começou.

As borboletas que visitavam o jardim da clínica eram minhas melhores amigas. Meu passatempo preferido. Tudo nelas me instigavam e se eu me esforçasse um pouquinho mais, seriam elas, a minha inspiração. Mas se esforçar cansava, doía. Elas por sua vez, voavam batendo suas asas freneticamente. Elas não eram impossibilitadas pela dor e a fadiga não lhe visitava a cada instante. Enquanto que eu, uma simples caminhada era como correr uma maratona.

E por que borboletas? Ah! Elas são tão lindas. Tão vivas e tão alegres. Eu aprendi muito sobre elas o tempo em que estive aqui. De ovos, ela vira uma lagarta que a princípio muitas pessoas não gostam ou enojam. Então como defesa elas começam a produzir fios de seda até formarem o casulo, fechando-se para o mundo. Ficam lá, imóveis, tendo a escuridão como principal aliada. Umas demoram algumas semanas, outras, alguns meses, até que elas abrem suas lindas asas e com certa dificuldade, saem do casulo sem ajuda de ninguém. Por si só ela se mostra ao mundo, ainda mais bela, ainda mais contemplativa, e agora, as pessoas a veneram.

Mas eu, eu continuo presa no meu casulo. Sem vontade e sem capacidade de sair dele, esperando apenas por algum milagre que possa me fazer soltar as asas e viver novamente. Voar sem sentir dor.



Um prólogo para degustação. Deixei vocês curiosas? Então aguentem os coraçõezinhos que até janeiro tem mais.

Até logo.

Ensaios de borboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora