Miguel
Eu sabia mais do que ninguém que a coisa mais difícil com a qual a razão tem que lutar, são com as coisas do coração. Nem os instintos sexuais mais selvagens são tão poderosos quanto o coração e, nesse momento, existia uma verdadeira guerra dentro de mim.
Sempre soube do potencial de Clarissa. Um potencial escondido por dentro de um casulo, que precisava apenas de um bom dia para poder se libertar. E aos pouco ela foi se libertando. Sem perceber, sem se dar conta. Porém, acredito que ela tenha misturado um pouco as coisas, ou eu dei a entender outra coisa, mas, quem eu quero enganar? Clarissa mexe comigo. Ignorar, fingir que nada aconteceu, pareceu-me mais conveniente, mesmo sabendo que no fundo, eu acabaria magoando-a, e isso era a última coisa que eu queria fazer.
Ela parecia estar forte. Não parecia machucada. Talvez estivesse tentando se convencer do mesmo que eu. Juntando forças para esquecer um beijo que não deveria ter acontecido. Um maldito de um maravilhoso beijo que não deveria ter acontecido e o qual eu não conseguia tirar da cabeça. Pelo contrário, queria eu repetir a dose diversas vezes. Mas eu não podia. Clarissa era minha paciente e eu o seu médico. Isso não daria certo. Jamais.
Estava pensando nisso quando minha irmã e Clarissa apareceram. Seria o grande dia o qual eu ensinaria a borboleta a surfar. A primeira coisa a se fazer para ser livre, é lutar contra os seus próprios medos e saber lidar com ele da melhor forma possível, podendo inclusive, mudar certos conceitos e até se apaixonar por aquilo que mais lhe aflige. A insegurança é o pior empecilho. Muitas vezes nada daquilo que imaginamos realmente é, e então, aumentamos o pouco e criamos monstros inexistentes.
A Clarissa em relação à fibromialgia era exatamente assim. As dores eram sua insegurança, os tratamentos eram seus monstros e, com isso, aumentava o que achava que as pessoas pensavam dela.
Borboleta vestia uma saída de praia branca e rendada com uma leve transparência. O sol em contato com o seu rosto mostrava com exatidão o brilho dos seus olhos verdes, bem como o natural de sua pele. Engoli seco. Toda a sua leveza me encantava e até então eu não tinha me dado conta disso.
Fomos até a praia em silêncio, exceto por Melissa que ficava falando sobre os garotos de sunga que estavam se alongando na orla. Assim que chegamos, instalei nossos guarda-sóis, e parei ao lado de Clarissa, a qual encarava o mar com total admiração.
— Está pronta?
— Pronta? — ela franziu o cenho desentendida.
— Para encarar as ondas em cima de uma prancha — disse virando minha atenção também para o mar.
— Miguel, a água deve estar fria. Essa agitação toda me provocará grandes dores no dia seguinte. Nossa viagem terá sido em vão.
— Borboleta, é melhor termos um único dia para nos divertir do que ficarmos todos os dias nos impedindo de viver por mera covardia.
— Mas Miguel, do que adianta se arriscar tanto se essas coisas são tão perigosas?
— A gente se arrisca todas as vezes que acordamos. — virei-me para encará-la bem no fundo de seus olhos. Por algum motivo eu pensei que aquelas palavras talvez serviriam para mim também.
— Anda logo Clarissa! Garanto que não é um bicho de sete cabeças. Você vai adorar. Aliás, está na hora de tirar essa saída logo.
Ela parecia confusa. Em dúvida e totalmente encabulada. Mordia os lábios algumas vezes e Melissa a instigava toda hora, divertindo-se com todo o seu constrangimento.
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Ensaios de borboletas
ChickLitClarissa é uma mulher delicada, sensível e muito afetuosa. Apaixonada por música clássica, não é a toa o seu talento pelo violino. Uma mulher que gosta da tranquilidade e dispensa grandes aventuras. Com uma carreira brilhante, um noivo dedicado e um...