Capítulo 41

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Clarissa

Duas semanas depois


Era o mesmo quarto branco. O mesmo cheiro de remédios. O mesmo quarto sem ninguém. O mesmo eco. 

Eu estava presa a uma camisa de força, pois talvez eu tenha tentado mais de uma vez me matar. 

Pesadelos me visitavam todas as noites. As mesmas cenas, as mesmas lembranças, as mesmas dores. E ninguém, ninguém me ajudava a me livrar disso. Qual era o sentindo de viver a vida com dores? Se eu era especial como todas as pessoas que tentavam melhorar a situação, me diziam, por que é que eu não me sentia assim?

Chovia lá fora. Um chuva forte e trovões e raios. Era a única música capaz de ser ouvida. Eu já havia assistido a todos os filmes e séries da televisão e nada mais me agradava. Tudo era entediante. Parecia que aquele era o meu quarto especial. Tinha todas as minhas coisas nele. Nada havia mudado. Exceto o meu psiquiatra.

Escutei barulhos na janela e me levantei para olhar. A janela estava pesada por conta do vento, então foi preciso destreza para abri-la sem fazer barulho, pois iria começar um grupo de médicos e enfermeiros desesperados me aplicando remédios para dormir e me colocando na cama, impedindo que eu me jogasse de lá. Como se eu fosse pequena o suficiente para passar pelas grades. 

Mas de lá era possível enxergar alguém. Alguém estava lá, de baixo da chuva todo molhado e parecia não se preocupar nenhum pouco. 

Era ele. 

Era Miguel. Ele estava de baixo de chuva, numa temperatura de pelo menos cinco graus. 

- O que está fazendo aqui? - perguntei.

- Você disse que todas as vezes que você se esquecesse de como é bom viver, que eu te levasse para tomar um banho de chuva. Aliás, você me fez prometer. Você se lembra? Bem, eu estou aqui, só falta você?

Eu olhei aquela cena sem conseguir acreditar com os meus próprios olhos. Não era possível que um psiquiatra formado, fosse mais malucos e masoquitas que seus próprios pacientes. 

- Eu não me lembro. Tenho problemas com memória, você se lembra? - perguntei fechando a janela. Um gosto amargo e doloroso se apossou de mim no mesmo instante. Tive pena por deixá-lo ali e virar as costas. É claro que eu me lembrava. Eu lembrava muito bem. Foi uma sensação revigorante. Aliás, quando eu estava com Miguel, era difícil qualquer oscilação de memória. Eu não queria apagar todas as lembranças boas que tivemos. 

Ele me visitava todos os dias. Ele tentava de todas as maneiras possíveis que eu falasse com ele. Até que pedi para os enfermeiros o manterem bem longe daqui. Eu não estava mais brava com Miguel. Pelo contrário. Dentro de mim, algo me dizia que tinha uma explicação para tudo aquilo, mas eu queria afastá-lo. Eu precisava afastá-lo de mim. Eu não estava fazendo bem e ele, e naquele momento, ele não estava fazendo bem a mim.

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Uma das atividades que tínhamos na clínica era ir a missa, ou em cultos, todo o domingo, tudo a depender da religião de cada um. Eu era católica, mas tinha perdido a minha fé durante muito tempo.   

Enquanto a chuva caía la fora, e as enfermeira levava os pacientes até a capela,  eu me perguntava se Miguel ainda estava lá fora. Se estava bem. Se não tinha pegado um resfriado ou uma pneumonia.

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