Capítulo 25

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Maio de 2017 Vigésima primeira consulta


- Miguel, pare de gritar. Toda essa pressão em cima de mim não está me ajudando.

- Minha querida borboleta - revirei os olhos pelos seu sarcasmo - Faz meia hora que estamos aqui e você não girou essa chave ainda. Ou você tome uma providência, ou anoitecerá. Se duvidar ainda dormiremos aqui.

- Tá achando ruim? Por que não foi embora até agora?

- Porque se comigo aqui você não consegue sair do lugar, imagine só sem mim. Fará desse carro a sua casa. Se bem que, pelo tamanho dele, não seria tão ruim.

- Quando foi que achou que eu dependesse de você pra fazer as coisas?

- Não sei, deixe-me ver... - ele colocou o indicador nos lábios, e franziu o cenho - Desde que começou a resmungar logo que nos conhecemos.

- Pronto! Agora eu sou a velha chata resmungona.

- O "chata" é você quem está dizendo.

- Tá legal Miguel, quer calar a boca, por favor? - gritei. Eu estava extremamente nervosa com a situação e com o meu psiquiatra que respirava nervoso ao meu lado.

Ficou um silêncio. Estávamos na fazenda de papai. Há muito tempo eu não ia àquele lugar. Eu detestava o convívio com o bichos. Eram tantos mosquitos que eu sempre voltava cheia de pintinhas rosadas e que coçavam a cada trinta segundos. Fazia um bom tempo que não vinha, e confesso que estava muito diferente. Por causa de minha querida irmã, Miguel insistiu que eu voltaria a dirigir começando por aqui e, como se não bastasse, ele viu muitas vantagens naquele lugar e eu sabia que estava inclusa em boa parte deles. 

O silêncio já estava começando a me intimidar. Ele era pior do que o tagarelar de Miguel.

- Está bem Miguel, você venceu. Eu estou com medo. Foi horrível da última vez. Eu não quero passar por isso de novo. Não quero colocar a vida de ninguém em risco e acabar com a minha vida vez. Eu não quero! - meu coração saltava. Meu corpo inteiro tremia. - Acho que não foi uma boa ideia eu ter voltado. Você deve estar pensando nisso também.

Enquanto eu estava em nervos, meu psiquiatra ficou concentrado no horizonte. Ao longe, havia algumas lindas borboletas que pousavam sobre as flores em seu trabalho de polinização. Estava tão concentrada que nem tinha me dado conta de toda aquela sensação.

- Não me arrependo do que eu fiz. Pelo contrário. Você está num processo de recaída que é extremamente normal. O seu retorno para casa vai te oferecer momentos alternativos. Momentos entre o passado e o alívio por estar com as coisas de que gosta, assim como com as pessoas que ama. Se eu te dei alta, foi porque eu realmente achei que você estava capaz de enfrentar isso. Não deixe que o medo em excesso lhe faça perder os melhores momentos de sua vida. Não deixe que o medo te impeça de se arriscar e viver momento incríveis. Ele virá a todo instante, mas cabe a você decidir se será covarde o suficiente pra fazê-lo tomar conta de você, ou se vai ser corajoso o bastante para dizer não. Para dar um passo a frente e derrubar o ego que te diz que você não é capaz. Clarissa, um pouco de medo é prudente. Significa ter cautela. O excesso é o perigo. Significa fechar os olhos e voltar para trás. É o que você quer?

Miguel me encarou com aqueles olhinhos castanhos. Estavam fixos e sérios. Um olhar que me fazia crescer, que me inspiravam e me davam vivacidade. Onde eu estava com a cabeça, é claro que eu dependia de Miguel. Ele era a minha fortaleza.

- Não. - balancei a cabeça freneticamente e sequei o rosto quando notei que estava chorando - Eu não quero voltar para trás. 

Olhei par ao horizonte e avistei todas aquelas borboletas. Miguel não me chamou assim a toa. Eu era como elas, e como elas podia fazer qualquer coisa. Respirei fundo e repousei meus dedos pela décima vez na chave. Dirigir era o mesmo que andar de bicicleta, a gente jamais esquece.

Ensaios de borboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora