Capítulo 40

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Miguel


Era casamento de Dafne. Uma cerimônia linda. Digna de capa de revista como a família Hoffmann sempre almejou. E, bem, uma Clarissa numa mistura de ressaca e crise de fibromialgia. Mas não era isso.

Ela estava se fechando novamente em seu casulo e eu não conseguia de jeito algum, fazê-la sair de lá. Recaídas sempre são difíceis e eu temia por essa. Tudo era novo. E Clarissa só tinha o meu apoio e o apoio da irmã. Sua mãe participava pouco. Compreendia, mas preferia evitar tocar no assunto. Seu pai, sempre irredutível, era o mais difícil de lidar. De entender que a filha tinha uma doença incurável, mas que podia levar uma vida normal com algumas limitações. Para ajudar, Clarissa havia se apaixonado pelo seu psiquiatra, todo tatuado que anda de moto e gosta de grandes aventuras. Alguém completamente alheio a uma família de alto padrão e renome. 

Quando eu percebi que amava Clarissa, sabia que tinha que tomar uma atitude. Ter um caso com o paciente era abominável nos meios éticos e eu poderia muito bem perder minha carteira. Eu não poderia me dar ao luxo de perder algo que lutei durante muito tempo. Mas eu também não podia perder Clarissa, então tomei a atitude mais correta. Pedi demissão da clínica. 

Clara disse que com os meus acompanhamentos Clarissa tinha melhorado muito e eu contei a ela toda a verdade. Ela se ofereceu a me pagar para cuidar do caso de Clarissa em particular, em casa. E bem, eu concordei. Ela estaria em casa, num ambiente calmo e tranquilo, aparentemente, com a família que ela adora e eu estaria lá, ajudado ela na terapia e, ao mesmo tempo, ainda seríamos um casal. 

Mas eu não queria o dinheiro da família Hoffmann como um salário. Pelo contrário. Tudo o que eu ganhava era para investir em Clarissa. Seus passeios, suas aulas de natação, ioga, seus remédios. Cada centavo era para ela. Eu tinha umas economias guardadas. Meu curso era integral, então eu meio que era bancado pelos meus pais, assim como minha irmã. Mas nós não tínhamos uma vida de muito luxo. Pagávamos o aluguel do apartamento, compravámos a nossa comida, vez outra uma roupas para vestir e alguns eventos sociais que se baseavam em brejas e petiscos, no meu caso. O resto guardávamos numa poupança para emergência. Eu tinha uns quadros finalizados que estavam ali de bobeira e decidi vendê-los pela internet. Até que deu pra juntar uma graninha. 

Nesse meio tempo eu mandei currículo para diversas clínicas e também comecei a atender alguns casos particulares no fundo da casa de um amigo. Ele tinha uma estrutura e serviria como um consultório, pelo menos até que eu conseguisse algo melhor. 

Decidi que não contaria a Clarissa, pelo menos por enquanto. Não queria que visse nossa relação como interesse e, bem. Acho que as coisas não saíram como eu havia planejado. 

- Conta pra ela, Miguel. Conta que você está desempregado. 

- O que? - Clarissa tinha a voz trêmula. E eu temia pela sua reação.

- Não é nada disso Clarissa.

- Conta pra ela Miguel, que você recebe o nosso dinheiro, contra a minha vontade, é claro.

- Romeu, não começa - pedia Dona Clara.

- Esse cara, só quer o seu dinheiro Clarissa. 

- Isso é mentira - gritei. Agora eu estava com os olhos marejados.

Clarissa fazia força pra conseguir levantar. Era visível seu esforço. 

- Borboleta...

- Não meu chama de Borboleta - ela disse com as mãos trêmulas na cadeira. Ela estava muito perto da escada e aquilo me era preocupante. Eu tinha medo de ir até lá e ela fazer algum movimento brusco e cair.

- Você a colocou numa cadeira de rodas. A fez pensar que tinha uma doença.

- Eu sou doente! - gritou Clarissa. Aos prantos quando conseguiu finalmente ficar de pé. - Eu sou doente. Meu corpo inteiro dói Romeu. É como se eu tivesse sido jogada do décimo quinto andar de uma porcaria de prédio que o senhor mandou construir. Como se a porra de um caminhão tivesse passado no meu corpo umas quinhentas vezes. Não foi Miguel que colocou isso em mim, eu sou assim senhor Romeu. A sua filha perfeita não existe. Eu fui diagnosticada com fibromialgia, e quando o senhor tiver um tempo, na sua lista incansável de negócios e trabalho, dá uma procurada no google. Não precisa pesquisar muito. Mas sabe Romeu, o que me machuca mais? Você. O seu desprezo, sua falta de consideração e paciência comigo. Você me olha com nojo. 

- Não minha filha - seu Romeu dizia com um nó na garganta.

- Olha! - gritou Clarissa ainda em prantos. - Olha sim!

- Minha filha, se acalma, por favor. - pedia dona Clara.

- Eu tô cansada de me pedirem calma. Me internem depois disso. Eu sou a louca. Eu sou a reclamona. Eu sou a preguiçosa. A chata, a controladora. A certinha. Que tudo tem que ser perfeito e aí, quando eu decido viver uma pequena aventura, eu sou um monstro. Obrigada... Miguel - ela disse que desdém e um sorriso sarcástico - por conseguir mentir tão bem. 

- Boborleta! 

- Não me chama de Borboleta! - ela gritou ainda mais alto - Eu não sou uma borboleta Miguel, eu não sou. Fique longe de mim, fique longe de mim. - Clarissa dizia se batendo. 

- Miguel ela está tendo uma crise de nervos, faz alguma coisa - Clara pedia aos choros. 

Eu corri as escadas para tentar contê-la. Clarissa se debatia descontroladamente e gritava numa mistura de raiva, dor, e sofrimento. Eu me sentia culpado. Eu queria arrancar aquela dor de seu corpo e da sua alma, mas infelizmente, eu não era bom o suficiente naquele momento. 

Clarissa desmaiou.

Não demorou muito para que Clara e Romeu se juntasse para tentar reanimá-la, mas foi em vão. A essa altura, a única solução, era levá-la a um hospital e depois, bem, por mais que me corroía admitir, Clarissa teria que voltar ao seu pior pesadelo.

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Eu não escrevi esse capítulo chorando não né?

Fortes emoções os aguardam. Preparados?

Kisses!!!


Ensaios de borboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora