Capítulo 9

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" Escutei uma frase que me comoveu: Deus criou tudo. A noção de bem e mal foi criação dos homens. No fundo, é uma grande verdade. É inquestionável que o homem precisa do direcionamento que o certo e o errado preceituam. Ocorre que o homem acaba por se perder de sua origem divina, dificultando e tornando pesarosa sua jornada" (Diane Bergher).

Março de 2017 — Oitava sessão

Miguel

Como de costume, a madrugada servia para colocar minha rotina em prática. Eu estudava cada paciente com cautela e me aprofundava em sua doença até saber tudo sobre ela. Era mais fácil de procurar a solução para um problema quando você conseguia compreendê-lo, entende-lo e analisar o caso com outras pessoas.

Mesmo que cada caso seja um caso, mesmo que cada pessoa se comporte de uma maneira diferente, associações, comparações, tentativas, eram necessárias para tratar o paciente. Era quase que um método empírico e a cada nova descoberta, eu me empolgava ainda mais.

Por algum motivo, Clarissa me chamava uma atenção em especial. Desde que iniciei meus estudos e decidi que seguiria a psiquiatria, o que eu percebi, e muitos colegas também perceberam, é que você só consegue ajudar uma pessoa se ela quiser ser ajudada. Se ela tiver vontade e estiver disposta a mudar sua situação. Do contrário, nada será suficiente. Porém, durante as sessões com ela, pude notar que as coisas não funcionam exatamente assim.

A vontade do paciente torna o procedimento mais fácil. Mas por mais que eles sejam relutantes e sempre procuram empecilhos diante das soluções, todos eles querem sair do mar de depressão e enxergar o horizonte. Clarissa era assim, qualquer esforço que fazia lhe machucava e lhe doía. Lutar era difícil. Sentir dor não é algo prazeroso, nem fisicamente e nem psicologicamente. No caso dela, seu ferimento era nos dois. Na alma e no corpo. Por isso, tirar as vendas de seus olhos era tão difícil. A dificuldade maior não é tirar a pessoa do problema, mas fazê-la aceitar a condição que está imposta e procurar meios para que possa superá-la. E o aceitar por sua vez, não é tão simples para quem teve a vida mudada completamente.

Era hora de conversar com sua família. Precisava contar a eles a respeito de Clarissa e o que eles poderiam fazer para ajudar. Isso com certeza seria de suma necessidade para que eu tivesse uma noção mais ampla sobre a personalidade da família dela, além de darmos um passo ainda maior diante de seu tratamento.

Eu estava animado e isso me tiraria mais algumas horas de sono. Enquanto estava concentrado, minha irmã entrou no meu quarto.

— Ainda acordado, Miguel?

— Sabe que as ideias fluem mais quando é de madrugada. Mas você também está acordada, Melissa.

— Estava assistindo um filme e me empolguei com o final.

— E pelo seu rosto vermelho era um drama romântico. Acertei?

— Na mosca. Eu prometi a mim mesma que não assistiria mais a estes filmes, mas não me contive. Sempre choro, sempre me emociono. Depois fico alguns dias mal pensando no filme. Vou mudar para as comédias, está decidido. — fez um expressão séria e determinada.

Ri de seu comportamento. Minha irmã tinha apenas dezoito anos, porém, apesar da maioridade, ainda era uma menina. Seu comentário me fez pensar, e logo senti um estalo na mente.

— Melissa, você é um gênio, irmãzinha. Já pensou em ser psiquiatra?

— O que? — ela me olha sem entender nada. — Eu lá quero cuidar de gente louca.

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