Capítulo 34

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Por eu ter ficado o dia inteiro sem comunicação, Miguel apareceu em casa e entrou sem bater em meu quarto. Esse é o preço que se paga quando você da intimidade demais a alguém, não se bate mais na porta, não respeita sua solidão, seu silêncio, e a vontade louca e necessária de querer ficar sozinha. 

Assim como no dia em que nos conhecemos eu não disse uma palavra sequer para Miguel e bem, como já era de se esperar ele não se intimidou nem um pouco com isso, pelo contrário. Naquele momento, Miguel não era mais um psiquiatra, era um daqueles repórteres chatos e incomodos que ficam a todo momento suplicando por uma entrevista. 

- Borboleta, seja lá o que seu pai disse quando eu não estava mais presente isso não muda nada. Eu não vou a lugar algum, a menos que você me mande embora. 

Pronto! Como se Miguel tivesse dito palavras mágicas, minha cabeça começou a inundar

"Seria um sinal de que é isso o que ele quer que eu faça?"

"Por que é tão difícil saber o que o outro realmente quer?"

- Borboleta, você comeu? Conseguiu dormir direito essa noite? Não me faça colocar um Rock pesadão pra você ouvir. Ou melhor, um funk bem alto, tenho certeza que você vai adorar. Ah! Posso até começar a cantarolar Chopin, Bethoven, e outros grandes clássicos. 

Miguel não iria parar e qualquer coisa menos ouvir gritaria ou músicas com teores sexuais banais e, principalmente a voz de Miguel estragando uma bela sinfonia. 

Suspirei fundo. Encarei Miguel seriamente, o olhar trêmulo me fez fraquejar algumas vezes, mas eu quis perguntar, eu precisava perguntar.

- Miguel, por que eu?

- Do que você está falando?

- A pergunta é simples. Você é um cara bonito, gentil, simpático, gostoso, pode ter a garota que quiser, linda, encorpada, cabelos compridos, bem sucedida, atlética, sem paranóias, uma família normal e bem, uma pessoa sem uma doença pra se preocupar. Olhe para mim. 

- Tô olhando. - ele diz com um tom firme.

- Meus cabelos são curtos, tipo "Joãozinho", estou mais magra que o normal, tenho olheiras enormes, eu só sei me lamentar, reclamar, titubear. Eu... eu sou doente, sempre vou ser incompleta.

- Por que isso agora? Foi por causa da discussão de ontem com seu pai?

- E se for? De todo o jeito eu preciso saber.

Miguel respira fundo. Ele parecia um pouco irritado.

- Eu te devolvo a pergunta. Por que eu?

- Miguel não muda o foco. 

- Não mudei, só quero que olhe por uma outra perspectiva. Por que eu? Um motoqueiro, tatuado, que gosta de rock, que tem um pitbull, que não tem metade do seu dinheiro, enquanto seu ex noivo, que é evidente que ainda gosta de você, é rico, bem sucedido, gosta de música clássica assim como você e tem a aprovação dos seus pais. Por que eu?

Eu fiquei alguns minutos sem resposta. Não que eu não sabia dela, mas porque de fato, Miguel me fez olhar por outra perspectiva.

- Porque Richard me abandonou. Fechou seu coração no momento que eu mais precisei. Ele virou as costas pra mim como se eu fosse um objeto que não presta mais e você joga fora. Você quebrou todos os meus preconceitos, me mostrou uma nova forma de enxergar a vida, me tirou do casulo, fez eu enxergar o mundo novamente, você insistiu em mim, enxergou além de uma pessoa doente. Por isso eu escolhi você. - disse o que parecia óbvio e estava certa em todas as palavras proferidas, mas Miguel fez essa mesma certeza ir embora. 

- Eu só fiz o meu trabalho. Nada além disso. 

Não sabia dizer de fato se eu havia entendido o que Miguel queria dizer com isso. Uma facada no meu coração doeria menos do que a dor que eu sentia naquele instante. 

- O que?

- Ter paciência com meus pacientes, entender sua dor, enxergá-lo como alguém que quer viver, sobreviver, fazer com que a pessoa retorne a vida, esse é o meu trabalho. Significa dizer que você se apaixonou  por alguém que fez nada mais do que o seu trabalho e que você se tornou dependente dela por isso? Seria uma espécie de tratamento intensivo, particular e gratuito?

Eu estava desesperada. Uma mistura de sentimentos invadiam meu coração  e ao mesmo tempo me fazia ir para uma realidade dura e cruel. Teria eu criado dependência em Miguel a ponto de achar que eu estava apaixonada? Seria uma espécie de síndrome a qual a paciente inconscientemente se apaixona pelo seu médico?

Percebendo meu silêncio, Miguel se pronunciou.

- Sabe, eu deveria ficar ofendido com esse silêncio.

- Eu... - sorri em nervosismo pois não sabia o que dizer.

- Borboleta, eu não sou expert no amor. Só digo que se fosse por pena provavelmente eu teria uma lista de pacientes com o qual eu namoraria ou teria qualquer tipo de relacionamento. A gente não escolhe por quem se apaixona. As vezes alguém que juramos jamais ter qualquer coisa, de uma hora pra outra pode mudar toda a visão que temos e fazer com que nos apaixonemos cegamente. Talvez eu nunca saberei o que de fato fez com que eu me apaixonasse por você, mas quem se importa com os motivos se o essencial são o sentimentos?

Havia entendido o que Miguel quis dizer com tudo aquilo e de fato, suas palavras me tranquilizaram, mas não o suficiente para me impedir de questionar se de fato, tudo aquilo era real. 

Diante de suas palavras, apenas esbocei um sorriso tímido e Miguel se juntou a mim num abraço forte e aconchegante seguido de um beijo na testa. E, pela primeira vez, não me senti como a vítima da história. 

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Eita eita eita.... quero muito comentários.... 

Qual o palpite de vocês depois deste capítulo? 

O que será que vem por aí?




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