Capítulo 14

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Eu estive – e acho que ainda me encontro – no estado de pausa maior, que às vezes me dava a impressão de que seria o ponto final. E não o foi! Doendo ou não, cansada ou não sempre existia um amanhecer, sinalizando que não era o momento do ponto final. (Diane Bergher)

Abril de 2017 – Décima segunda consulta.

Minha vista estava completamente embaçada quando eu acordei. As coisas a minha volta giravam e soltei um gemido quando comecei a sentir náusea. Tentei respirar fundo e espremi os olhos, tentando acordar de uma vez.

Miguel estava dormindo no sofá ao meu lado, o que me deixou intrigada. Não sabia ao certo que horas eram nem me recordava com detalhes o que havia acontecido. Mas o vazio em meu peito, o desespero em minha alma, trouxeram-me ao choque da realidade.

"Eu tentei me matar".

Num primeiro instante, disse isso apenas em pensamento, porém, logo pude escutar as palavras saindo. Por mais que isso não fosse novidade em minha vida, experimentar a sensação e acordar no dia seguinte, é um sentimento inexplicável. Uma mistura de frustração, ao mesmo tempo que alívio, mas naquele momento, eu estava angustiada. Como se o único vestígio de esperança que eu tinha, havia cessado no momento em que eu encontrei com a minha família. Assim que saí do meu quarto, tentei ser o mais discreta possível, a fim de entrar na salinha de remédios. Lá, achei que tivesse encontrado a minha única solução.

" Eu tentei... eu tentei..."

Não fui capaz de dar continuidade a frase. Aquilo era doloroso demais.

Miguel, então, acordou. Esfregou o rosto com as mãos e soltou um bocejo. Olhei para ele e ele olhou pra mim. Um semblante indecifrável emoldurava seu rosto. Enquanto isso, eu não tinha nenhuma reação.

Meu psiquiatra soltou um suspiro. Parecia aliviado. Sentou-se em minha cama ainda me encarando, e eu me encolhia como uma garotinha acuada, prestes a levar bronca.

- Sabe o que um escorpião faz quando se sente ameaçado e sabe que não tem condições de sobreviver? Ele se mata. Se mata porque pensa que sofrerá menos. Porque acredita que será a solução para todos os problemas. As abelhas são parecidas, elas picam mesmo sabendo que irão morrer, como se fosse uma espécie de vingança. É meio contraditório isso, eu diria. Talvez seja algum código de honra entre os insetos ou a simples lei da natureza, onde o motivo principal para que tudo isso aconteça seja desconhecido aos nossos olhos, mas, apesar de tudo, envolve vários questionamentos. Diante de tudo isso, ainda existem os seres humanos. A espécie dita pela ciência como ser racional, porém, vejamos. O homem nasce e se torna um ser completamente dependente de seus pais, daí vai crescendo, e começa a criar independência, adquirir diversos tipos de relacionamento e, a cada estágio da vida, vai passando por alegrias, frustrações e decepções. E por mais que passam por isso constantemente, eles não conseguem se acostumar com a ideia, sendo que, muitas vezes, pedem para passar pelas mesmas frustrações, pelos mesmos erros. Alguns enfrentam, outros se escondem, enquanto outros, ainda mais covarde que os demais, fogem. Seremos então, insetos? O que nos difere tirando a aparência? Veja as aranhas, são uma ameaça por si só. Sua fisionomia grotesca e feia, repudia seus inimigos que passam a terem medo dela. Sua característica peçonhenta a afasta de muitas pessoas e muitos outros insetos, mas, ainda assim, quando sentem-se ameaçadas, elas avançam da maneira como podem. As borboletas, por sua vez, são lindas e por uma infelicidade, não nasceram com garras e não são peçonhentas, apesar de serem tóxicas. Porém, se você não a consumir, ou passar a mão nos olhos quando pegá-la em mãos, não há com o que se preocupar. Elas utilizam das plantas para se defender e de outros mecanismos de sua própria natureza. Mas não ameaçam a si própria. Achei que tivesse escolhido um bom apelido para você. Eu me enganei?

Solto um soluço sem me dar conta de que estava chorando. Suas palavras me feriram, sua pergunta fez com que eu me sentisse impotente. E eu não queria transmitir isso. Não a Miguel, que naquele momento parecia totalmente decepcionado.

Arrependimento. Essa era a palavra que tomava conta de mim. Queria voltar atrás e pela primeira vez, não coloquei desculpas. Aliás, não citei culpados. Eu só queria um colo e alguém que me dissesse que tudo iria ficar bem.

- Eu sinto muito. Me desculpe. – abaixei a cabeça por não conseguir encarar seus olhos. Tão frios e tão...

- Não é a mim que deve desculpas. É a você mesma por destruir a sua alma gradativamente.

Eu não conseguia parar de chorar, tudo em mim doía, mas não era dor muscular. Era um sentimento de abandono, culpa, tristeza e escuridão.

- Acalme-se – ele pediu. – Quero que reflita suas atitudes de maneira civilizada e da melhor compostura possível.

Expirei.

Alguns minutos se passaram e continuamos na mesma situação, até que parei de chorar e resolvi quebrar o silêncio.

- Richard está noivo novamente. Minha irmã vai se casar com o francês, acredita? – ri da ironia e da surpresa porque eu veria Dafne se casar. Isso se eu não fizesse mais nenhuma loucura. – Ela está grávida de dois meses. Uma menina. Eu vou ser tia – sorri. Eu estava realmente feliz com isso e nem em dei conta. – Mas elas não me contaram. Esconderam isso de mim. Estão vivendo a vida como se eu não existisse. Dói ser deixada de lado. A par das coisas. Eu vou ser tia, Miguel. Tem noção da felicidade que isso me traz. Minha irmã não tinha o direito de fazer isso comigo.

- Algum motivo ela teve. E, ao invés de conversarem, você simplesmente agiu como uma abelha, atacou a elas e a si mesma. Afastou as pessoas de você, como as aranhas.

- Você acha que minha irmã agiu certo? – questiono confusa.

- É claro que não. Mas você acabou perdendo completamente a razão com sua atitude. E isso só mostra que o fato dela ter te escondido isso foi temendo uma reação como essa. Que você se sentisse mal por ela estar vivendo a vida, enquanto tem-se lamentado.

Abaixei a cabeça. Miguel estava coberto de razão. E, mais uma vez, lá estava a Clarissa afastando as pessoas a sua volta, padecendo diante as dificuldades e agindo no impulso.

- Como se sentiu quando soube que seu ex. estava noivo?

- Eu já sabia que isso aconteceria, talvez por isso não fiquei tão impressionada. Mas confesso que sim, eu fiquei enciumada ou com inveja quem sabe, pelos acontecimentos. – ele me olha. Dessa vez como o Miguel de sempre. – Eu sei que é horrível, mas na hora foi inevitável. Poxa, a essa altura era para eu estar casada, fazendo grande sucesso na Áustria, e quem sabe pensando em ter o terceiro filho.

- Terceiro? – ele pareceu indignado.

- Eu gostaria de ter três filhos;

- Em menos de dois anos? A menos que estivesse pensando em trigêmeos.

Dei de ombros.

- Talvez os seus planos, não sejam os mesmos de Deus. Você pode viver muita coisa. Viver tudo isso, mas de um outro jeito.

- Não sabia que acreditava em Deus.

- Eu tenho minhas crenças.

- E como eu vou saber que planos são esses?

- Estando viva é uma ótima primeira opção.

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Olá, borboletas. Mais um capítulo para essa sexta feira muito animada, ou não. Enfim, Clarissa aprontou uma das grandes, mas por sorte, foi salva a tempo. Viram que Miguel ficou esperando ela acordar? Ele é demais. 

O próximo capítulo falaremos sobre o passado de Clarissa. Será o último, se eu não me engano, e então, as coisas começaram a ficar mais interessantes em relação ao nosso lindo casal.

Gente, nossa próxima consulta virá, em capítulo separado. O que vocês acham? Preferem como ?

Um beijo no coração de vocês.


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