Capítulo 2

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ANTES


Em uma olhada rápida, Vera Lúcia mal podia reconhecer quem era aquela moça feliz naquela foto de casamento. Após tantos anos, não se via mais naquela jovem bonita, com o rosto iluminado pelas muitas possibilidades de um futuro que apenas começava.

O vestido de noiva não era muito ostensivo, porém fora o que havia conseguido para a ocasião. O cabelo negro e ondulado de Vera estava todo preso em uma trança única, descendo pelo seu ombro esquerdo.

A pele, um moreno claro, brilhava, assim como seus olhos cor de âmbar, ambos transparecendo a sua alegria. E o sorriso largo tornava-a mais luminosa, enquanto segurava o barrigão evidente do fim de gestação.

Ao seu lado, um homem relativamente bonito. Era dez centímetros mais alto do que a noiva, chegando aos seus um e setenta e oito. Os ombros largos de Carlos Henrique, junto com seus cabelos escuros e curtos e sua pele cor de canela lhe conferiam um tipo bem comum, desses fáceis de se esbarrar por aí.

Ao fundo da fotografia, havia um rapazinho vestido com um terninho alugado. Era bem clarinho, com a alvura do seu rosto ressaltada por seus cabelos negros e ondulados que caíam até a altura da orelha. As sobrancelhas espessas e escuras emolduravam um par de olhos verde-esmeralda que brilhavam de raiva infantil. Não devia ter mais do que cinco anos de idade, e estava claramente emburrado por ter que dividir a mãe com seu novo padrasto.

Ela desceu a foto, recolocando-a no álbum que repousava aberto na mesa da cozinha. Logo em seguida, fechou-o, passando a sua mão sobre o título dourado de "Álbum de Casamento".

Vera riu consigo mesma, contudo não havia nenhum traço de alegria em seus lábios. Era apenas saudade dos seus sonhos.

Ouviu um barulho. Era a porta de entrada, na sala de estar. Ergueu os olhos para o relógio da cozinha. Os ponteiros marcavam cinco e quarenta e cinco da tarde. Pelo horário, deveria ser o seu filho, chegando mais cedo da faculdade.

Vera começou a se levantar. Como de costume, já ia se adiantar para recepcionar Lúcio. Ela se deteve. Não era o seu rapaz que atravessava a sala em direção a cozinha. Era o seu marido.

Com um sobressalto, Vera colocou-se de pé. O homem estava suado, com a cara denunciando o enfado de mais uma jornada de um dia no transporte público. Seus olhos estavam um pouco distantes, ainda sonolentos por conta da viagem. Carlos Henrique respirou fundo, dando um "oi" ligeiro e dirigindo-se à geladeira.

— Tô morto de sede — falou o dono da casa.

Vera voltou-se para o armário da cozinha, com o intuito de pegar um copo para o marido. O trabalhador não esperou, apanhando a garrafa que estava na porta do refrigerador. Resolveu beber direto do gargalo, sem se importar com a próxima pessoa que iria compartilhar de sua saliva.

— Voltou cedo — disse Vera, sem abrir muito a boca.

— Foi. O patrão viajou, então o mestre de obras acabou largando todo mundo cedo mesmo. Ainda bem, porque tava morrendo de fome. O vale-refeição já tá no fim, então eu não consegui bater um prato bom no almoço.

Carlos Henrique guardou a garrafa, fechando a porta do eletrodoméstico. Deu outro longo suspiro de enfado, enquanto inclinava a cabeça para o lado para relaxar o pescoço.

Desse modo, com o rosto pendendo para um ombro, o dono da casa parou. Franziu o cenho, apertando os olhos para algo na direção atrás de Vera Lúcia.

Lentamente, a esposa girou sobre o próprio eixo, dirigindo o seu campo de visão para onde seu marido parecia encarar.

Era o fogão. A tampa de vidro estava fechada.

Parente Serpente [Livro Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora