Capítulo 41

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AGORA


Sua aparência não era das melhores. Parecia estar mais pálido, até mesmo mais magro. A barba grande escondia boa parte do seu rosto.

Mesmo com toda essa a diferença, porém, Ruth podia reconhecer muito bem Carlos Henrique.

Com a mesma má vontade de sempre, o não-morto conferia as compras trazidas por Lúcio Mauro. Enquanto olhava os itens, soltava alguns bufos e grunhidos.

Já o rapaz, calmo, retirava as coisas da sacola, depositando-as sobre aquela que parecia ser uma mesa de reunião.

Como numa cena comum em qualquer lar, Lúcio dizia o que havia ou não comprado. O papel higiênico de folha dupla só tinha sem perfume. A carne enlatada não tinha de uma marca boa, então ele preferiu trazer sardinha.

Nessa hora, Carlos soltou um grunhido mais alto. O estagiário de hospital parou de desembalar a feira. Apoiou-se com as duas mãos sobre a mesa e voltou-se para o padrasto, dizendo:

— Eu tô fazendo o melhor que posso.

Mais uma vez, o homem barbudo reclamou de maneira incompreensível, porém num tom bem ríspido. O mais novo fechou os olhos, suspirando profundamente.

Carlos apanhou a lata de sardinha. Virava a embalagem entre os dedos, conferindo-a com certo desdém. Finalmente, o marido da não-viúva Vera falou de forma mais clara:

— Não acredito que vou comer isso aqui. Eu sou pobre, mas não gosto dessas merda não.

— Foi o jeito. Eu tava muito sem tempo, e você não tinha mais o que comer. A gente tem que se contentar com o que tem em mãos.

— Se contentar com o que tem? E o que é que eu tenho? O que é que você me deixou? — Olhou em derredor. — Dá uma boa olhada onde você me enfiou. Não tem nada aqui. Só essa sala tá com luz. O banheiro dos funcionários tá com o chuveiro entupido. Eu tenho que ir lá na copa pegar água num balde pra tomar banho. O fogareiro acabou o gás, e agora tenho que comer essas porra crua. Nem quando eu vivia com tua mãe eu morava e comia tão mal. A velha passou da validade, mas pelo menos era limpinha, me fazia comida e deixava eu me satisfazer nela.

Lúcio deu de ombros, fazendo uma careta de quem lamentava muito. Num tom mais complacente do que o usual, o rapaz defendeu-se:

— Não é isso que eu tô dizendo. Eu sei que esse não é o melhor lugar do mundo pra você. Sei que deve ser ruim ficar sem ninguém aqui, sem nem ter TV, mas essa foi a única saída que a gente encontrou. Só que o tempo tá passando e nossa situação não tá se resolvendo. — Nesse momento, Lúcio fez outra pausa. Parecia fazer um esforço consciente para fazer a próxima revelação. — Os caras vieram atrás de mim num sedã preto. Era um barbudo e um careca. Tavam querendo que eu pagasse a tua dívida.

Nesse momento, Carlos desfez sua carranca. No seu rosto, parecia até mesmo brotar o medo.

Logo em seguida, o padrasto balançou rapidamente a cabeça, a fim de desfazer aquela expressão e voltar a sua sisudez.

— Pra todos os efeitos — continuou o foragido —, eu tô morto. Eles não podem querer me matara alguém que tá boiando no rio.

— Sim, mas e eu? — questionou Lúcio. Olhou ao redor e girou o dedo, indicando todos os cantos da sala. — De nada vai adiantar você se esconder deles aqui se eu morrer. Nada do que a gente fez vai ter adiantado pra alguma coisa. Eles me ameaçaram. Querem que eu pague a tua dívida de qualquer jeito... mas com qual dinheiro?

Carlos, por sua vez, deu de ombros, replicando:

— Eu também não tenho. Coloquei tudo o que eu tinha no seguro da tua mãe. — Parou para pensar um pouco. — Aliás, o período de carência tá acabando, né? Já sabe o que a gente tem que fazer.

Parente Serpente [Livro Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora