Capítulo 33

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Mesmo indo dormir já tão tarde, conseguiu acordar antes de o despertador tocar. Espreguiçou-se lentamente em seu leito, esparramando-se ainda mais.

Com o movimento de suas longas pernas, o lençol que lhe cobria correu por sua pele. Como Lúcio estava dormindo apenas de cueca boxer preta, boa parte do seu corpo acabou sendo revelado.

Olhou para o lado, vendo os raios de sol projetarem-se por baixo do tecido grosso da cortina de sua janela.

Com gestos lentos e preguiçosos, esticou o braço para a sua mesinha de cabeceira, apanhando o seu celular.

O relógio marcava quase oito da manhã. Abriu o aplicativo de alarme para desmarcar a hora programada de despertar.

Uma das coisas que mais odiava era ouvir a campainha gritando para que ele pulasse da cama.

Estava, porém, de licença médica ainda. Ia para o trabalho apenas para conversar, fazer algumas coisas e conseguir uns álibis.

Mesmo não tendo um horário certo, deveria levantar-se dali a pouco tempo. Havia muito o que fazer naquele dia. Uma das tarefas era finalmente visitar a sua mãe.

Não era, contudo, apenas para fingir que se importava com ela. Queria também tentar sondar como estavam as investigações.

Antes de começar a prosseguir com a agenda de seu plano, contudo, resolveu checar as suas redes sociais. Já era algo habitual seu fazer isso todo dia, logo ao acordar.

Na última semana, porém, estava viciado em acompanhar a repercussão do caso chocante da dona de casa que matou o seu marido agressor.

Na tela de seu aparelho, porém, uma postagem lhe fez sentar na beira do seu leito. O telejornal estadual ia fazer uma reportagem sobre o caso de sua mãe.

Agora, sua família não estava mais apenas num programa policial sensacionalista. Já alcançavam uma atenção mais nobre.

Os olhos de um verde escuro de Lúcio Mauro brilharam, enquanto um sorriso brotou em sua face inchada de sono.

Clicou no anúncio do telejornal, lendo um pouco da chamada. Depois, rolou a tela, acompanhando alguns dos comentários dos usuários das redes sociais.

"Tem é que matar mesmo, esse homem safado. Acha que mulher é fraca? Tomo otário", disse uma senhora. Parecia ser outra dona de casa.

"Se fosse um homem matando uma mulher, as feministas iam cair em cima. Mas como é uma mulher, aí ninguém reclama. Até aplaude", dizia um homem de terno e gravata, em outro comentário.

"Onde esse mundo vai para. So Deus na vida dessas pessoas", escreveu uma outra jovem.

A cada comentário, crescia dentro do peito de Lúcio uma gargalhada quase incontrolável. Trincou os dentes com mais força, para aprisionar, por hora, o riso em sua garganta. Tamanho era o esforço de conter sua alegria que acabou fazendo seus olhos se encherem de lágrimas.

Aquela notícia lhe renovara as energias. Deu um salto de sua cama e foi até o banheiro.

Não se demorou muito em tomar banho, vestir-se e comer algo. Em cerca de trinta minutos, já estava pronto.

Entrou no seu carro, saindo de sua casa. Teve que parar o carro logo na saída de sua garagem, pois desceria para fechar o portão de seu lar.

Uma das poucas coisas das quais sentia falta de não ter sua mãe em casa era justamente isso; ter que se virar sozinho.

Quando terminou de trancar o cadeado, começou a contornar o seu veículo. Enquanto se dirigia para a porta do motorista, fitou com o canto dos olhos a casa de Maria Efigênia. Questionava-se quanto tempo levariam para descobrir o cadáver da fofoqueira.

Começou a movimentar o seu carro, ainda olhando disfarçadamente a moradia de sua mais recente vítima. Sentiu-se mais uma vez como um artista que contempla, apaixonado e narcisista, a sua própria obra.

Desmanchou o sorriso e assumiu sua face plácida de sempre para dar bom-dia ao porteiro.

Enquanto esperava o trabalhador abrir os portões de Vila Margaria, pôde notar um carro preto do outro lado da avenida principal. Era do tipo sedã, e estava estacionado em local proibido.

O veículo estava com suas janelas da frente abaixadas. Mesmo à distância, Lúcio conseguiu identificar dois homens lá dentro. Um acomodado no banco do motorista e outro no do passageiro.

Eram dois tipos mal-encarados, usando óculos escuros. Nem se preocupavam em disfarçar que estavam olhando diretamente para o carro de Lúcio.

Fingindo não ter visto, o rapaz continuou com sua trajetória. Percebeu que o veículo suspeito começou a segui-lo. Resolveu não se afobar, e prosseguiu pelo caminho planejado.

Felizmente, havia vaga na frente da delegacia. Conseguiu estacionar bem perto da porta.

Não desceu de imediato, apenas fingiu que estava se arrumando, enquanto olhava, pelo retrovisor, para a rua atrás de si.

Não demorou muito, e o carro com as duas figuras estranhas passou pela frente daquele posto policial. Não pararam, apenas seguiram direto.

Quando começou a ser seguido, Lúcio havia suspeitado de que eram policiais à paisana.

Na medida em que prosseguiu com sua corrida, porém, começou a duvidar dessa hipótese.Afinal, a polícia não tinha tantos recursos assim para colocar dois agentes vigiando um rapaz que nem suspeito era.

Ele suspirou fundo, torcendo para que aquele fato estranho fosse algo de sua imaginação. Estava tão preparado para passar por cima de qualquer um que achava que os outros também fariam o mesmo com ele.

Ainda estava no controle. Logo, possuía, por enquanto, o luxo de poder relaxar e aproveitar o passeio.

Tanto que desceu do carro e continuou calmo na delegacia, tudo isso horas depois de cometer mais um assassinato.

Estava com olheiras bem maquiadas, os ombros curvados, o olhar baixo, a barba por fazer. Tudo para compor o seu personagem de filho resignado.

Dentro de si, porém, havia um pavão orgulhoso de conseguir ter chegado tão longe sem ser pego.

Encontrava-se ali, na frente dos vigilantes da lei, desafiando-os. Eram tão incompetentes que não podiam sequer perceber a verdade que estava bem a sua frente.

Antes de chegar à recepção, mais uma vez esbarrou com ela. A delegada Taís Ramos.

A jovem de pele escura questionou o que Lúcio fora fazer ali. O rapaz, sempre com voz mansa, alegou que viera visitar a sua mãe.

A delegada concordou. Enquanto o filho de Vera apresentava a sua documentação, a mulher ao seu lado o encarava. Ele estava cabisbaixo, ainda com face cansada e gestos comedidos.

Seria fácil acreditar que ele estava sofrendo com a situação da mãe. Faltava, no entanto, alguns detalhes bem cruciais para tornar crível tudo aquilo.

Ruth, a irmã, tentou conseguir um advogado melhor, até mesmo entrar com habeas corpus para Vera. O filho, no entanto, não tentara saber nada daquilo. Mais parecia que ele não queria ver a mãe livre.

O rapaz pediu licença, sendo acompanhado por uma policial até a sala de visitação. Taís o observava caminhar. Quando o jovem sumiu de seu ângulo de visão, a delegada resolveu agir.

Taís entrou no seu carro. Estava na hora de esclarecer pessoalmente algumas coisas.

Parente Serpente [Livro Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora