Holofotes, uma plateia, um palco, câmeras de alta tecnologia com profissionais garantindo o seu melhor enquadramento. Podia não ser o astro daquela atração, contudo, naquele momento, era o centro das atenções.
Lúcio Mauro estava sentado em um sofá branco, longo e bastante elegante. Ao seu lado, uma médica psiquiatra famosa. Também havia um advogado especializado na vara familiar, e uma representante do movimento feminista.
E, por último, uma atriz veterana que interpretava uma personagem em situação de violência doméstica na novela de maior audiência do canal.
A frente deles, de pé e voltada para as câmeras e a plateia, a apresentadora do programa mediava o debate sobre violência contra a mulher. A presença de Lúcio se justificava para exemplificar o quanto essa situação poderia ter um fim trágico.
O aspirante a farmacêutico, portanto, apresentava-se como a maior vítima da situação. O pobre filho único que teve a família inteira destruída pela violência doméstica. Um verdadeiro exemplo de resiliência.
A apresentadora encerrou o debate, deixando uma mensagem de conscientização e esperança para as mulheres que se encontram na mesma situação em que a mãe de Lúcio Mauro esteve.
A intenção era de que procurassem ajuda, antes que chegassem ao limite trágico ultrapassado por Vera.
A gravação encerrou-se, e um dos produtores guiou Lúcio de volta ao camarim dos convidados. Ainda nos corredores, o rapaz foi chamado por uma mulher.
Quando se voltou para trás, reconheceu a médica psiquiatra que participara do debate.
A profissional de saúde mental chamava-se Hanna Beatriz, muito conhecida por seus livros sobre diversos transtornos mentais.
— Posso falar com você um minutinho? — questionou a médica
— Claro, doutora — respondeu Lúcio, com o sorriso mais doce que possuía.
— Desculpe perguntar, mas você conhece o meu trabalho?
— Sim, já li algumas matérias sobre aqueles seus livros de transtorno de atenção e o de psicopatas, mas não cheguei a ler nenhum deles. — Fez uma divertida careta de constrangimento. — Me desculpa.
— Tudo bem, querido, não tem problema. Só queria saber se você conhece o meu trabalho, o que eu faço. Estou agora fazendo um novo livro sobre casos de relacionamento abusivo como o que aconteceu com sua mãe. Se não for muito penoso pra você, eu gostaria de saber se estaria disposto a colaborar comigo.
Lúcio apertou os lábios, suspirando profundamente. Na sua face, era claro ver que aquele assunto ainda o machucava, apesar de sua aparência de rapaz forte e resistente. Mesmo assim, ele forçou um sorriso e respondeu:
— Claro. Se for pra ajudar outras famílias... não quero que ninguém passe pelo o que eu estou passando.
— Compreendo. Pois bem, você pode me passar alguma forma de contato? E-mail, de preferência.
Lúcio concordou, passando o seu endereço eletrônico para Hanna. Logo em seguida, despediram-se com um aperto de mãos.
Já dentro do seu camarim, fechou a porta atrás de si. Estava sozinho. Ergueu o olhar, encarando do outro lado da pequena saleta o espelho da penteadeira.
Sorriu.
Trincou os dentes para conter a gargalhada. Caminhou saltitante para a cadeira, acomodando-se no assento. Continuando a encarar o seu reflexo, deu um longo suspiro de satisfação.
Em breve, todo o país ia ver seu rosto, conhecer sua história, torna-lo célebre. E aquele seria o maior papel de sua vida; o de herói trágico.
Alguém bateu na porta. O trinco girou e abriu. De imediato, a face de êxtase de Lúcio desfez-se. Voltou a sustentar o olhar de filho resignado.
Apenas deu um sorriso com um pouco mais de ânimo ao ver o produtor de TV Túlio Farias entrar no camarim. O loiro alto e bronzeado veio parabenizar Lúcio por seu desempenho no programa.
O rapaz de cabelos negros levantou-se, abraçando o outro.
Haviam ficado bem próximos durante o voo. Durante o trajeto, falaram sobre a vida, seus sonhos, seus projetos. Ao longo dessa conversa, Lúcio percebeu o quanto aquele homem lhe fitava de modo profundo nos olhos. Quase não piscavam ao se encarar.
Já naquele momento, no camarim, quando o abraço terminou, permaneceram próximos.
Ao perceber sua face tão perto da do rapaz, a vermelhidão tomou o rosto de Túlio. O produtor afastou-se, ligeiramente constrangido.
Procurando ser mais profissional, o homem de cabelos loiro-escuro veio confirmar a entrevista para o jornal de domingo. Lúcio agradeceu o aviso e questionou:
— Posso saber por que meu caso tá recebendo tanta repercussão? Eu sei que tá sendo muito comentado, mas tô aparecendo em tanto programa.
— Não se preocupe, isso é uma tática de TV. Se lembra da atriz do programa de hoje, a Verinha Araújo?
Lúcio confirmou com a cabeça.
— Pois bem — prosseguiu Túlio —, a personagem dela vai comprar uma arma e tentar matar o marido, só que o cara escapa com vida e a mulher é presa. Não duvido que o autor da novela não tenha se inspirado em casos como o teu. — O produtor deu uma pausa, observando a reação de Lúcio. O rapaz não pareceu se incomodar com aquela história. — Aí, a gente aborda bem o assunto durante a semana que é pra levantar a polêmica da novela, e subir a audiência. Provavelmente, no meio da tua entrevista do domingo, ou no final, vão colocar as cenas do capítulo de segunda, da tentativa de assassinato.
Nesse momento, Lúcio deixou escapar um pouco de tristeza em sua face. Túlio indagou se o rapaz estava bem. O jovem confirmou com a cabeça. Após um curto momento de reflexão, o universitário revelou:
— As pessoas podem falar o quanto quiserem. Podem até querer dizer quem tá certo ou quem tá errado nessa história, mas eles nunca vão saber, nunca vão sentir de verdade o que é viver esse terror. Espero pelo menos que o meu caso, que essa novela ajude quem tá vivendo nessa situação. — Deu um ligeiro sorriso melancólico, com o canto da boca tremendo. — Ninguém merece passar por esse pesadelo sem tem um pouco de esperança.
As lágrimas subiam nos olhos de Lúcio, contudo sem escorrer. Os de Túlio também lacrimejaram.
Sem cerimônia, o produtor de TV deu um outro abraço no filho de Vera. Foi longo, demorado, bem acolhedor.
Quando sentiu o rapaz bem calmo, o loiro afastou-se. Ainda limpando as lágrimas nos olhos, Túlio convidou o outro a um jantar e um passeio naquela cidade, antes de Lúcio retornar.
O universitário concordou, também passando a mão no rosto para espantar a tristeza. Logo em seguida, o funcionário da emissora despediu-se, avisando que iria voltar a trabalhar.
A porta fechou-se, e Lúcio Mauro tornou a acomodar-se na cadeira. Ergueu o olhar, encarando sua face rubra pelas lágrimas que acabara de derramar.
Para sua sorte, não chorou o suficiente para deixar o seu rosto inchado. Não queria aparecer tão acabado na entrevista que estava prestes a dar.
Não era apenas por sua vaidade, sim por uma questão técnica. Sua intenção era aparecer com sua face normal, e aos poucos deixar o choro aparecer durante a gravação de sua reportagem. De certo, tal gradação traria mais impacto ao telespectador.
Pegou, portanto, os instrumentos de maquiagem sobre a mesa. E como um verdadeiro artista pronto para subir ao palco mais uma vez, preparou-se.
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Parente Serpente [Livro Completo]
Misterio / SuspensoVera Lúcia é uma dona de casa moradora de uma simpática vila de subúrbio. Essa mulher, porém, vive um pesadelo nas mãos de um esposo violento e agressor. Sua história seria apenas mais uma no meio das estatísticas de violência doméstica... se não fo...