Capítulo 28

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Com o polegar e o indicador em forma de pinça, segurou o zíper de sua pequena bolsa de itens pessoais. De lá de dentro, pegou pincel e uns poucos itens de maquiagem, dispondo-os sobre a pia do banheiro.

Lúcio Mauro ergueu a sua face para o seu reflexo no espelho. Estava sadio, bem corado. No seu rosto, encontrava-se estampada a paz de uma noite muito bem dormida. Definitivamente, aquela face não era a de um filho preocupado com sua mãe presa.

De modo suave, começou a deslizar o pincel em sua pele. Nesse caso, porém, não queria embelezar-se.

Literalmente, queria maquiar, esconder a sua costumeira expressão de quem nunca se abalava por nada.

Com técnica que rivalizava com a da sua tia, conseguiu trabalhar luz e sombra em seu rosto. Ficou, portanto, com uma face mais cansada e abatida. As bochechas mais fundas, uma discreta escurecida abaixo dos olhos.

Tal qual um ator profissional, aquele era apenas mais adereço para dar mais verdade a sua interpretação. A imagem de um filho tímido, quieto, que aguentava tudo e sofria calado.

O rapaz jogou a cabeça para trás, fazendo suas madeixas negras deslizarem para baixo. Abriu a boca, deixando escapar por seus lábios uma sonora gargalhada.

Infelizmente, não pôde rir tão alto quanto gostaria, pois seus vizinhos poderiam ouvir.

Já pronto, desceu as escadas. Caminhou até a pequena garagem do seu lar, preparando-se para entrar em seu carro.

Por cima do muro baixo de sua casa, conseguiu ver Maria Efigênia na calçada da casa de Vera. A idosa baixinha e gorda estava quase na ponta dos pés, espiando o movimento da residência da mais nova viúva de Vila Margarida.

Lúcio desistiu de entrar em seu veículo e andou na direção da outra. Enquanto se dirigia à vizinha, o rapaz arqueou os seus ombros e baixou o seu olhar. Queria transmitir, através da linguagem corporal, um ar exausto em seu corpo.

Abriu o portão de sua casa, indo para a calçada. Quando ficou de frente para Efigênia, o rapaz falou:

— Bom dia, dona Efigênia. A senhora deseja alguma coisa?

— Não, meu filho, eu tava só procurando o meu Trovão, que ainda não achei.

— Sinto muito pela senhora — disse Lúcio, enquanto dava um suspiro desanimado e triste. — Espero que seu cachorrinho apareça logo. Era a sua única companhia, não era?

Vera juntou as duas mãos na altura da boca, e acenou com a cabeça. Por trás daqueles aros grossos dos óculos da senhora, Lúcio viu as lágrimas acumularem-se nos olhos da mulher.

Com um sorriso melancólico, o rapaz desabafou:

— É duro quando a gente perde quem gosta. E pior ainda é quando se percebe que nem deu o devido valor. A gente se acostuma a chegar em casa todo dia e encontrar a pessoa sempre lá... mas um dia ela não está mais, e ficamos sozinhos...

Lúcio levou a mão à boca, segurando um soluço de choro que estava prestes a emergir em sua garganta. Não conseguiu controlar, entretanto, as lágrimas que brotaram em seu rosto.

A pobre senhora arregalou os olhos ao ver aquele rapaz daquela maneira. Ele era sempre tão quieto e fechado, mal se comunicava com as outras pessoas da vila. Efigênia jamais imaginara que o menino de Vera fosse tão sensível assim.

Sem saber muito o que fazer para acalmá-lo, a vizinha abriu os seus braços. Para seu espanto maior, Lúcio aceitou o abraço.

O rapaz alto curvou-se para retribuir o gesto. Agarrou-a como um pequeno neto.

Parente Serpente [Livro Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora