Capítulo 29

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A conversa entre as duas irmãs havia começado há poucos minutos apenas. Ruth, no entanto, não estava disposta a fazer arrodeio para chegar ao motivo daquele diálogo. Ademais, o tempo limitado daquela visita exigia urgência.

Estavam sozinhas, na sala de visita íntima da delegacia. Ambas sentadas. Entre elas, apenas uma única mesa.

De início, a maquiadora até pensou em ser mais sutil, todavia o seu jeito expansivo não lhe permitira. Ainda, estava tão preocupada e aflita com a irmã que não havia espaço para eufemismo. Sem demoras, a caçula foi direto ao assunto:

— Lúcio ajudou você, não foi? — questionou Ruth.

Mesmo estando as duas a sós na pequena sala de visita íntima da delegacia, a profissional da beleza indagou de modo sussurrado. Apesar de querer resolver os problemas de Vera, Ruth não desejava complicar a situação da irmã.

A dona de casa já estava presa por ter prestado falso testemunho e ocultado seu crime de homicídio. Caso Lúcio fosse descoberto como seu comparsa, a acusação de Vera só iria piorar.

— Eu já falei — disse Vera, numa voz calma, quase monotônica. — Eu fiz tudo sozinha. Coloquei veneno de rato na comida dele, roubei a chave do carro de Lúcio e arrastei pro porta-malas. Saí da Vila e joguei no rio. Foi isso.

Ruth fechou os olhos, respirando fundo. Amava demais a irmã para suportar vê-la naquela situação. Para a maquiadora, era muito clara a verdade. Por alguma razão, aquela mulher estava se sacrificando mais uma vez pelo seu filho; como assim o fizera por toda a sua vida.

— Vera, eu já sei de tudo. Pode confiar em mim. — Inclinou-se um pouco mais para frente, falando num tom mais baixo que conseguira. — Maria Efigênia me contou que vocês estavam empurrando aquele carro de madrugada. Fala a verdade que vai ser melhor. Vocês estavam juntos nisso, se livrando do corpo de Carlos naquela noite, não é?

Naquele momento, fora a vez de Vera suspirar. Estava cansada demais de tudo aquilo para prolongar esse assunto.

O que mais queria era ser condenada logo para livrar-se daquele calvário. Queria por um fim naquela história, mesmo que isso custasse a sua liberdade.

— Por favor, me deixe em paz — suplicava a mãe de Lúcio, ainda num tom calmo. — Eu já falei que meu filho não tem nada a ver com isso. Eu sei que você me ama e quer me proteger, mas se você se intrometer nesse caso só vai piorar a minha situação. Já disse tudo o que precisava pra delegada. Não fale mais nada.

Ruth cerrou os punhos, procurando manter o resto de calma e paciência que tinha. Sua vontade, no entanto, era de segurar a irmã pela camisa e esbofeteá-la, a fim de acorda-la daquele transe. Contendo a sua revolta, a caçula retrucou:

— Eu não consigo acreditar. Não entra na minha cabeça que você quer sacrificar a tua liberdade pra livrar a cara daquele menino... pois eu aposto que foi ele que matou Carlos Henrique e você tá encobrindo. Eu conheço a minha irmã. Você sempre foi calma, muito quieta, até mesmo besta. Quantas vezes eu não tive que te defender no colégio? As pessoas te abusavam, até batiam em você, e tu nunca foi de revidar. Não acredito que você tenha matado Carlos Henrique. Agora, Lúcio... — deu um ligeiro sorriso, balançando a cabeça em tom negativo — sempre tive um pé atrás com aquele ali. Toda a vida olhei pra ele e nunca consegui ver o que ele pensava. Só que eu conseguia ver, no fundo dos olhos dele, que tinha alguma coisa se passando dentro daquela cabecinha. Era inacessível, mas tinha alguma coisa. Sempre.

Vera colocou uma mão sobre um punho cerrado da irmã. Continuando resoluta, a dona de casa retrucou:

— Você não entende por que não é mãe. Não sabe o que é abdicar de tudo o que você tem pelo bem-estar do seu filho.

Parente Serpente [Livro Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora