Capítulo 13

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ANTES


Ruth encostou-se no batente da dispensa. Sempre se achou destemida, disposta a enfrentar qualquer embate. Naquele momento, no entanto, apenas observava, embasbacada, o duelo entre sua irmã e seu cunhado.

Vera e Carlos estavam face a face, eretos, como dois galos de briga. Olhavam-se fixamente, com fúria. Mal piscavam. Pareciam até mesmo não respirar, tamanha era a tensão entre os dois.

O que mais impressionava Ruth, contudo, era a bravura de sua irmã mais velha. Foram raríssimas as vezes que a maquiadora vira a outra tão firme e belicosa daquela maneira.

Nem parecia mais aquela mulher retraída que preferia guardar tudo para si do que revidar e defender-se. Pelo visto, os anos debaixo da sola de Carlos Henrique transformaram algo dentro dessa mulher.

Ruth apenas emergiu de seus pensamentos quando viu o seu cunhado apontar o dedo para a maquiadora. Ainda encarando Vera, Carlos decretou:

— Eu não vou continuar essa conversa com essa mulher aqui.

— Essa mulher tem nome — retrucou Vera. — Ela é minha irmã e merece respeito.

Aquele homem semicerrou os olhos. Seus dentes trincaram, enquanto ele vociferava:

— Eu não vou continuar sendo humilhado na frente dela!

Somente nesse momento Vera desviou o olhar de Carlos Henrique, voltando-se para a irmã.

— Por favor, Ruth, deixe a gente a sós.

A caçula precipitou-se, caminhando na direção da mais velha, enquanto dizia:

— Nunca que eu vou deixar você sozinha com...

Vera ergueu a mão, indicando para Ruth parar.

— Não se preocupe — disse a dona da casa. Para a surpresa dos demais, ela deu um sorriso, e tornou a encarar Carlos Henrique. — Ele não vai fazer nada comigo. Não vai adiantar ele me matar antes de acabar a carência do seguro.

Primeiro, Carlos arregalou os olhos. Depois, ele apertou os punhos com força, bufando com os lábios apertados.

Por mais que Vera estivesse certa, ter a verdade jogada em sua face daquele jeito apenas mexia ainda mais com os brios daquele homem. Não esperava que aquela dona de casa humilde fosse a única pessoa capaz de acabar com todos os seus planos.

Mesmo sendo muito superprotetora, Ruth acabou aceitando ir embora. Não por conta do pedido do cunhado, sim pela coragem súbita apresentada por Vera. A irmã mais velha estava num raro momento de disposição para enfrentar aquele marido.

A maquiadora precisava deixar a irmã caminhar sozinha. Precisava permitir Vera crescer e mostrar aquele senhor que ela não tinha mais medo de enfrenta-lo. Respeitando o momento da outra, Ruth se foi.

Carlos Henrique e Vera continuaram a se encarar, enquanto a visitante caminhava-se em direção à porta. Apenas quando ouviu o barulho do portão na frente bater foi que a dona da casa abriu a boca:

— Você fez um seguro de vida e planejava até me matar para ficar com o dinheiro. Talvez, você até ache que essa sua ideia veio só agora. Na verdade, acho que só caiu a ficha daquilo que você estava querendo já há muito tempo. Apenas agora você tomou coragem pra finalizar a tua vontade de anos. — Vera fechou os olhos, respirando fundo. Tornou a encarar Carlos Henrique. — Faz muito tempo que você está tentando me matar, só não havia percebido isso ainda. Só que era bem aos pouquinhos, dia após dia.

— O que você tá falando, sua velha maluca? — grunhiu o homem.

— Não sou velha e nem maluca. Ainda sou aquela moça jovem que sonhava tem uma vida boa, que ficou feliz de encontrar um marido mesmo já tendo um filho pra criar. E foi essa garota que você tentou matar. Uma pouco a cada dia. Tentou matar a minha juventude. Tentou matar meu amor próprio. Tentou me trazer uma morte em vida — Cerrou os dentes, quase ficando na ponta dos pés para nivelar seu olhar ao do outro. — Só que essa última foi o ponto final. Você se juntou com uma menina que tem a idade de ser nossa filha pra tentar dar um golpe em mim e depois me jogar como copo descartável. Só que acabou.

Parente Serpente [Livro Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora