Capítulo 17

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AGORA

Seus braços e pernas estremeceram-se. Abriu os olhos. De imediato, sentiu sua córnea arder. De início, teve dificuldades de focar, pois tudo estava embaçado.

Não era, no entanto, problema em sua visão. Na verdade, todo o local estava em uma meia-luz.

As sombras e o pouco sol dificultavam-na descobrir onde estava. Seus outros sentidos, porém, indicavam-lhe que se encontrava deitada em algo macio. Não parecia, contudo, ser a sua cama. Foi então que percebera estar no sofá da sala.

Aos poucos, a visão de Vera Lúcia começou a retornar. Ela piscou mais algumas vezes, reconhecendo os móveis ao seu redor.

Tentou mexer-se, todavia estava entrevada demais. Enquanto tentava se mover, percebeu-se coberta por um lençol. Não se lembrava, porém, se havia levado aquele cobertor junto consigo. Ainda, não se recordava dela própria ter deitado ali.

Sua mente continuava a girar, enquanto ela lutava para agarrar os últimos fragmentos de memória. Lembrou-se de ter adormecido no quarto e acordar com as roupas de Carlos reviradas no armário. Também se lembrou da sua foto de casamento, que misteriosamente fora parar na gaveta do guarda-roupas.

O que se sucedera depois daí era difícil de dizer com precisão. Até podia lembrar-se de ter ido para sala. Não conseguia, contudo, rememorar-se de ter adormecido ali no sofá, muito menos de ter-se coberto.

Será que Lúcio Mauro a vira ali, e resolvera cobrir a sua mãe? Em qual momento, no entanto, ela havia adormecido no estofado?

Com dificuldade, Vera sentou-se. Ainda se encontrava tonta quando o absoluto silêncio do seu lar fora interrompido por um toque de campainha.

Mais uma vez, a mulher tomou um susto. Provavelmente, aquilo a havia despertado instantes atrás.

Não conseguiu pôr-se de pé. A visita, no entanto, parecia não querer desistir tão fácil. Mais um toque e Vera acabou levantando. Quase tropeçando, bêbada de sono, a dona da casa abriu a porta da frente.

Quando sua visão lhe revelou quem estava do outro lado do portão baixo de sua casa, Vera arrependeu-se de ter aberto a porta. Era Maria Efigênia.

Infelizmente, aquela senhora já a havia visto. Tarde demais para fingir que não estava em casa.

Sem nenhuma expressão em seu rosto, Vera aproximou-se do portão de sua casa. Por trás das lentes grossas de seus óculos, Efigênia arregalou os olhos. Sem muito tato, a vizinha despejou:

— Deus do céu, Vera, você tá acabada!

A dona da casa trincou os dentes, falando num grunhido bem baixo:

— Te enxerga, baiacu demônio.

— Oi? — questionou Maria Efigênia, indicando, ou fingindo, não ter compreendido o que Vera havia falado.

Sem muita paciência, a mãe de Lúcio desconversou, pedindo para vizinha revelar logo a que veio.

O chihuahua de Efigênia havia desaparecido, e sua dona estava a sua procura. Vera fechou os olhos e inspirou profundamente, logo em seguida deixando o ar lentamente escapar de seus pulmões.

Sem a menor delicadeza, ela lançou um "Não sei, não vi" e deu as costas para sua inconveniente de estimação.

Maria Efigência ainda falava alguma coisa quando Vera bateu a porta de casa atrás de si. Retornando ao refúgio de seu lar, a mulher esticou um braço, alcançando o interruptor das luzes da sala de estar.

Quando iluminou o local foi que se deu conta do anoitecer. Estava tão atordoada naqueles tempos que mal conseguia diferenciar mais o dia da noite.

Parente Serpente [Livro Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora