As mãos trêmulas e pequenas da mãe tocaram as grandes e alvas do filho. Mal podia crer que aquela visão a sua frente era real. Seu menino finalmente estava ali.
Vera Lúcia tentou falar algo, contudo seus lábios não conseguiam se movimentar corretamente. Quando os primeiros sons brotaram em sua boca, foram rapidamente desmanchados por toda emoção que irrompia de seu peito.
Toda a força e resignação dos últimos dias desfez-se entre as lágrimas. Chorava como há muito não o fazia, deixando transbordar tudo em seu rosto.
Lavou-se de todo aquele calvário, segurando as mãos do seu garoto.
As lágrimas também corriam pela face de Lúcio Mauro. Resolveu não as limpar, pois tinha medo de borrar sua maquiagem de homem cansado. Mesmo usando produtos à prova d'água, não queria arriscar.
— Por que você demorou tanto, meu filho?
— Desculpe — desabafava Lúcio, com voz fraca e rouca. — Eu não sabia o que fazer. Estava com muito medo.
— Eu também estava com muito medo, mas era medo de que acontecesse algo com você. Me desculpe, mas já não tava aguentando mais. Eu estava enlouquecendo dentro daquela casa. — Começou a falar mais baixo, como se tivesse com medo de que algo ou alguém a escutasse. — Tavam acontecendo coisas estranhas. Eu sentia como se Carlos Henrique ainda estivesse ali, me cobrando por tudo o que fiz com ele e Maria Eduarda.
Mais uma vez, Lúcio trincou os dentes para não rir.
— Como assim? — questionou o rapaz, com face confusa.
— Estavam acontecendo umas coisas esquisitas. Eu encontrava a lata de cerveja no meio da sala, mas nenhum de nós dois bebe. Quem fazia isso era Carlos Henrique. Também já encontrei o guarda-roupa dele revirado. Inclusive, até uma foto de nosso casamento dentro do envelope onde tava aquela carta do meu seguro de vida. E o mais horrível foi uma vez que acordei e vi... — respirou fundo para conseguir continuar com as suas revelações — a banheira de Maria Eduarda no chuveiro. Tava cheia d'água, do mesmo jeito quando ela...
Parou um pouco, tentando segurar o pranto que ameaçava voltar. Quando conseguiu recompor-se, prosseguiu:
— Mas eu não acho mais que seja nada de outro mundo. Meu filho, você tem notado alguma coisa estranha? Alguém entrando e saindo daquela casa?
Lúcio apertou os dentes com mais força, pois uma gargalhada violenta estava prestes a explodir em sua boca. Discreto, respirou fundo, engolindo a risada presa em sua garganta. Franziu o cenho e balançou a cabeça em tom negativo.
— Não, mãe, por quê?
— Eu acho que a amante do seu pai pegou uma cópia da chave lá de casa com Carlos Henrique. E se ela tava tentando me matar? E se alguma coisa no contrato de seguro beneficiasse ela também?
— Acho difícil isso acontecer, dela pegar o dinheiro do seguro, mas nunca se sabe. Tem gente que é capaz de fazer qualquer coisa pra se dar bem. — Envolveu as mãos de sua mãe entre as suas. Do modo mais terno que conseguia, falou: — Não se preocupe, mamãe, vou tomar muito cuidado sim. Mas me preocupo com a senhora agora. Como você tá? Tão te tratando bem aqui.
— Sim, sim, estou bem. — Parou para refletir um pouco. — Só estava com saudades do meu filho. E estava estranhando por que você não tinha vindo me visitar ainda.
Lúcio fez uma careta, misto de decepção e arrependimento. Balançando levemente a cabeça em tom negativo, o rapaz falou:
— Desculpe, mãe. Eu até tentei vir ontem, mas tia Ruth já veio visitar a senhora. Não pode mais que uma pessoa num dia.
— Eu sei. É que eu estava com saudades. — Sorriu. As lágrimas fizeram seus olhos brilharem. Desmanchou o sorriso quando uma ideia lhe passou pela cabeça. — Você não vai fazer como sua tia não, né? Ela queria contratar um advogado e pedir meu habeas corpus, mas não quero. Eu quero colocar um fim nesse pesadelo.
— Não, claro que não.
Uma súbita face confusa emergiu em Vera. Tentando entender a afirmação do filho, ela questionou:
— E por que não?
Por meio segundo, Lúcio Mauro tentou elaborar uma resposta. Decidiu contar com o improviso.
— Por que eu sei que é isso que a senhora quer. Se veio até aqui pra se entregar, foi por que não aguenta mais. — Abaixou o olhar, sem conseguir encarar direito a mãe. — E também por eu ter medo. Tenho medo que acabe sobrando pra mim.
Vera apertou a mão do filho, porém apenas de modo firme o suficiente para sinalizar o seu apoio ao seu menino. Com tom decidido, a dona de casa avisou:
— Nunca, meu filho. Eu nunca vou deixar nada de mal acontecer a você. Eu juro. Você já se sacrificou demais por mim. Que tipo de mãe eu seria se não fizesse a mesma coisa por você?
Lúcio ergueu a cabeça, com olhos marejados. Sem cerimônias, atirou-se nos braços da mãe, abraçando-a com força. A mulher retribuiu o gesto, apertando o seu menino para junto de si.
E Vera sequer conseguiu ver o sorriso de satisfação na face de Lúcio Mauro.
***
Ruth teve que desmarcar mais outra cliente. Estava tendo muito prejuízo financeiro naqueles dias, porém a sua prioridade era conseguir resolver a situação de sua irmã.
Não conseguiu dormir aquela noite, pois sua vontade era a de levar Maria Efigênia à delegacia até antes mesmo que Taís chamasse aquela senhora viúva para depor.
Por conta dessa ideia, Ruth foi até Vila Margarida para apanhar a vizinha de Vera e leva-la de táxi para contar a verdade.
Desceu do ônibus perto da residência de sua irmã. Estava cansada de resolver tudo aquilo de transporte público, e também não tinha tanto dinheiro para ficar bancando táxi. Uma saída, então, era pedir emprestada a moto de seu namorado.
Enquanto mandava uma mensagem perguntando se Roberto podia emprestar a sua motocicleta, Ruth caminhava pela calçada. Uma movimentação estranha, porém, a fez desviar a atenção da tela de seu aparelho.
Uma aglomeração na porta de Vila Margarida. Diversas pessoas debruçavam-se na grade, tentando ver o que ocorria lá dentro. Havia um policial do outro lado da entrada, evitando que os pedestres invadissem o local.
Ruth conseguiu vencer a massa de transeuntes, chegando até a grade. Lá, apresentou-se com tia de um dos moradores, pedindo para entrar. O porteiro confirmou a identidade da mulher, e o policial permitiu a sua passagem.
Em poucos passos, a maquiadora já conseguia ver um carro de polícia e uma ambulância parados bem na frente da casa de sua irmã. Ela apressou a caminhada, ansiosa.
Em poucos segundos, parou ao ver uma maca sendo empurrada para fora da casa de Maria Efigênia. Um lençol cobria um corpo de formas arredondadas. Era fácil identificar de quem se tratava.
Logo em seguida, Ruth viu Taís sair de dentro do lar de Efigênia. A jovem delegada estava visivelmente irritada.
Quando viu a irmã de Vera aproximando-se, a agente fechou os olhos, suspirando fundo.
— O que houve, delegada? — questionou Ruth.
— Maria Efigênia morreu. Vim pessoalmente esclarecer algumas coisas com ela. Bati na porta, ninguém atendeu. Como vi que a televisão estava ligada, resolvi olhar pela janela. Foi quando encontrei o corpo dela caído no sofá. Tive que entrar na casa para ver se ela estava precisando de ajuda médica, mas já era tarde demais.
Pasma, Ruth estava de boca aberta. Tentava falar algo, porém, não conseguia articular uma palavra. Quando estava prestes a conseguir dizer algo, foi interrompida.
Por trás dela, uma voz emergiu.
— O que houve?
Ambas se viraram para a origem do som. Um rapaz tímido, com aparência cansada e semblante triste. Alguém que provocaria pena nos mais desavisados.
Lúcio Mauro aparecera para contemplar o seu feito. E, daquela sua plateia, queria apenas aplausos.
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Parente Serpente [Livro Completo]
Mystery / ThrillerVera Lúcia é uma dona de casa moradora de uma simpática vila de subúrbio. Essa mulher, porém, vive um pesadelo nas mãos de um esposo violento e agressor. Sua história seria apenas mais uma no meio das estatísticas de violência doméstica... se não fo...