Capítulo 21

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AGORA

Com a ponta do polegar e o indicador, a caneta era segurada em uma extremidade. O tubo transparente era balançado levemente por esses dois dedos. O final da pequena ferramenta batia ritmado em sua mesa.

Para muitos, aquele barulho seria algo irritante após um dado tempo. Para ela, aquele pequeno som, tão constante, era algo que a focava. Deixava-se levar pelos estalos, abandonando todo o resto de estímulos ao seu redor; até mesmo dentro de si.

Quando estava já bem concentrada, a delegada Taís começava a raciocinar. As ideias concatenavam-se, quase como um soneto parnasiano, atingindo uma forma perfeita.

Carlos Henrique havia desaparecido há quase uma semana. Todas as informações conseguidas até aquele momento indicavam mais uma fuga do que assassinato ou sequestro.

Informações coletadas aqui e ali com colegas de trabalhos, conhecidos, vizinhos. Carlos tinha dívidas de jogo, e também parecia estar pendente até mesmo com agiotas. Parecia, portanto, que ele havia fugido para não morrer.

Um detalhe crucial, porém, incomodava a delegada Taís; a esposa do desaparecido. Para uma dona de casa simples, aparentemente de pouca instrução, as informações foram passadas por Vera com muita clareza.

Na pouca experiência de Taís, as pessoas não se lembravam de tudo com tanta ordem e facilidade. Os acontecimentos de antes e depois do desaparecimento foram relatados por Vera de um modo quase roteirizado. Era como uma atriz ruim que tentava repassar um texto bem expositivo.

Aos olhos da delegada, havia algumas de possibilidades. Primeiro, Vera Lúcia poderia estar acobertando a fuga do marido. Por outro lado, porém, havia a possibilidade daquela dona de casa ser a própria responsável pelo seu sumiço.

Afinal, Taís também ouvira de vizinhos sobre a violência doméstica que acontecia naquele lar. Era bem incomum uma esposa revidar com tamanha proporção, entretanto não era impossível. A própria delegada já soubera de casos assim, onde a casada cansou de apanhar do marido e o matou à machadadas.

Nesse caso específico de Carlos Henrique, contudo, faltava um grande detalhe. Não havia corpo, muito menos indícios de assassinato. Logo, Taís não teria como iniciar uma investigação nesta linha. Ainda, não iria arriscar-se a se precipitar justo no seu primeiro caso como delegada.

Outras batidas, que não as da caneta, chamaram a sua atenção. Um policial vinha pedir a autorização para entrada de uma pessoa. A delegada estranhou aquela visita, todavia permitiu a entrada.

De trás do policial, surgiu uma figura feminina de estatura média. Os cabelos negros de raiz lisa desciam bem ondulados pelos ombros, contudo com muitos fios desalinhados.

Sua tez, antes de um moreno claro, estava pálida. Os olhos, anteriormente tímidos, estavam agora sem brilho, emoldurados por uma olheira profunda. Taís podia até mesmo notar os ossos salientes naquela face, indicando uma perda de peso extremamente acentuada.

Abraçada à sua própria bolsa, quase tremendo, a visita deu um passo à frente. Abriu a boca. De início, nenhum som saíra daqueles lábios. Fazendo um pouco mais de esforço, Vera Lúcia conseguiu dizer, com voz rouca e entrecortada:

— Fui eu, delegada. Carlos Henrique não sumiu. Eu matei o meu marido.

Parente Serpente [Livro Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora