ANTES
A bolsa com gelo conseguiu desinchar boa parte do edema formado abaixo do seu olho esquerdo. O excesso de água dessa compressa foi retirado com o auxílio de uma toalha de rosto.
Ruth passava com cautela o tecido felpudo na face da irmã, para evitar machucá-la mais ainda. Quando a pele ficou seca o suficiente, a visita colocou a toalha sobre a mesa da cozinha. Logo em seguida, a maquiadora retirou da sua bolsa os seus companheiros de trabalho.
Estavam ambas sentadas à mesa da cozinha. Não era proferida nenhuma palavra enquanto Ruth exercia o seu melhor talento; esconder as imperfeições nos outros. Ocultar na face de suas clientes aquilo que elas não queriam mostrar para o mundo.
Após ter terminado de maquiar Vera Lúcia, Ruth desceu o último pincel usado. Começou a observar aquela dona de casa já toda produzida. A profissional da beleza havia esquecido o quão bonita era a sua irmã mais velha.
Ruth conseguiu ocultar as marcas de agressão no rosto de Vera. Também escondeu o cansaço e os anos de tristeza no rosto daquela mulher. Revelou, no entanto, a beleza, a juventude que ainda estava ali, contudo soterrada pela convivência com aquele homem.
— Terminou?
Com a pergunta de Vera Lúcia, a maquiadora interrompeu a sua contemplação. Logo em seguida, Ruth começou a guardar as suas ferramentas em sua maleta.
Enquanto observava a caçula arrumar seus pinceis no estojo, Vera Lúcia já podia reconhecer aquele rosto fechado. Ainda, conhecia a natureza daquele silêncio da irmã.
Ruth sempre fora a temperamental faladeira, daquelas que conversavam até dormindo. Dessas que puxavam conversa com estranhos até mesmo na fila do caixa. Nada se parecia, portanto, com aquela figura calada daquele momento.
— Você já me prometeu que não iria se meter — disse Vera, suspirando. — Só que não adianta nada ficar fazendo essa cara.
Após guardar tudo em sua bolsa, Ruth fechou o zíper com certa agressividade. Depois, colocou as duas mãos sobres suas coxas, respirando profundamente.
Desde que havia atendido o chamado da irmã, estava procurando controlar-se ao máximo para cumprir a sua promessa de não opinar no casamento de Vera. De fato, controlar a sua língua estava sendo uma das tarefas mais difíceis a qual se comprometera.
Não iria conseguir.
— Se você não for pra delegacia, eu vou — desabafou Ruth.
— Não posso fazer isso. Quantas vezes vou ter que te falar? Eu não tenho formação nenhuma. Iria trabalhar de quê? De empregada doméstica? E como eu iria conseguir sustentar a mim e a meu filho?
— Ele não faz estágio no hospital? Conseguiu até comprar aquele carrinho usado.
— E ele ainda tá pagando por esse carro. Estágio não é a mesma coisa que emprego. Lúcio Mauro não vai conseguir manter uma casa de duas pessoas apenas com essa mixaria. Não quero que ele desista da faculdade pra me sustentar. Ele é inteligente e muito especial... ele vai muito mais longe do que qualquer um dessa vila.
Ruth suspirou, porém com impaciência. Era como uma panela de pressão que deixava escapar seu ar quente, antes de explodir de vez. A maquiadora já havia ouvido aquela justificativa da irmã diversas vezes, com múltiplas roupagens.
A natureza, porém, permanecia a mesma; Vera Lúcia sempre sacrificou a própria felicidade por seu único filho.
Pelo visto, a mais velha não iria nunca mudar de atitude e largar aquele papel de mártir. Por hora, Ruth tentaria mais uma vez ignorar aquele impasse. No fundo, sabia que Vera precisava de seu apoio, não apenas do seu julgamento.
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Parente Serpente [Livro Completo]
Mystère / ThrillerVera Lúcia é uma dona de casa moradora de uma simpática vila de subúrbio. Essa mulher, porém, vive um pesadelo nas mãos de um esposo violento e agressor. Sua história seria apenas mais uma no meio das estatísticas de violência doméstica... se não fo...