Capítulo 20

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ANTES

Os seus sapatos de solado baixo martelavam a calçada de modo ritmado. Sua boca estava entreaberta, e o ar era inspirado e expelido com rapidez por sua garganta. Seus olhos esbugalhados não paravam quietos, mirando em qualquer coisa que se movesse à sua volta.

Vera cruzava as calçadas de seu bairro quase correndo. Deveria chegar à delegacia o mais rápido possível. Estava na hora de por um basta naquele horror.

Pensou em ir a uma delegacia especializada em atendimento à mulheres. O que Carlos Henrique cometera, no entanto, eram crimes muito além de bater em sua esposa. Seria mais eficiente denunciá-lo, portanto, por assassinato.

Ainda, esse seria o departamento de polícia mais próximo de sua casa a pé.

Pensou em pegar um táxi, contudo gastara todo o dinheiro que tinha indo visitar o seu filho no hospital. Também cogitou apanhar um ônibus, todavia tinha medo que o transporte público fosse demorar. Esperar, naquele instante, era dar tempo para Carlos Henrique alcança-la.

Deixou o seu marido de cuecas, caído no chão. Não tardaria, e aquele homem iria se levantar, vestir-se e tentar alcançar a esposa. E Vera nem queria imaginar o que ele faria se a apanhasse antes de ela chegar à delegacia.

Não era apenas o medo, porém, que a impulsionava. Maior do que toda a dor e humilhação de anos era o seu instinto feroz de proteger a sua única cria. Aquele pecado de Carlos, portanto, Vera não deixaria escapar impune.

***

Apenas dois dias para se aposentar. Apenas dois dias para pôr fim a toda uma trajetória de honra às leis e proteção do cidadão.

O delegado Igor Alcântara repousava em sua velha cadeira reclinável. Suas mãos estavam por trás de sua nuca. O senhor mordiscava o bigode grisalho, enquanto olhava para o nada.

Deu um riso amarelo ao lembrar dos boatos que ouvira. Uma jovem mulher negra havia acabado de ser empossada, e era certo que iria tomar o seu lugar.

Balançou a cabeça em tom negativo, lembrando-se com quantas empregadas com aquele biótipo já havia tido relações sexuais em sua casa, quando jovem. Agora, ele seria substituído por uma dessas mulheres.

O seu sorriso quase se transformou em uma careta de asco, contudo fora interrompido por um policial. Antes mesmo que o seu subalterno falasse algo, uma jovem senhora invadiu a sua sala.

Primeiro, o delegado teve vontade de repreendê-la. Quando viu o seu estado, porém, desistiu do sermão.

A mulher estava pálida, com olhos arregalados. Os cabelos, presos em uma trança, estavam com muitos fios soltos e arrepiados. O rosto encharcado de suor brilhava. Os músculos de seu pescoço latejavam, enquanto ela tentava puxar o máximo de ar possível para se recuperar.

Igor, sem muita cerimônia, questionou o que estava ocorrendo. Afobada, tropeçando em suas próprias palavras, Vera despejava:

— Ele matou Fernando da feira de verduras... foi meu marido... ele bate em mim, me espanca... abusou de meu filho... meu menino tentou se matar por causa dele... ele tem uma amante e eles querem me matar... Carlos Henrique quer dar um golpe com essa mulher, fez um seguro de vida se passando por mim... ele vai me matar, e matou Fernando, e vai acabar matando meu menino...

— Calma, senhora! — falou o delegado num tom mais alto, quase impaciente.

Ouviram, portanto, uma confusão no corredor. O mesmo policial que havia trazido Vera para aquele gabinete tentava conter alguém. Não tardou, e o causador da balbúrdia surgiu.

Parente Serpente [Livro Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora