Capítulo 25

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A expiação não era um caminho fácil, ela sabia bem disso. Sua mente, seu corpo, sua alma, porém, pediam para que aquela dona de casa pagasse por seus pecados. Até para conseguir ser como queria, contudo, seria difícil.

Vera havia acabado de conversar com seu defensor público. Estava tão determinada em abraçar aquele caminho de penitência que até tentou negar o advogado do Estado. Para sua surpresa, não tinha esse direito.

O rapaz era jovem, um pouco mais velho que o seu filho. Logo, deveria estar em começo de carreira. Ainda tinha aquele ímpeto de mudar o mundo; tão comum para a idade.

Viera-lhe avisar que ela tinha direito a habeas corpus. Vera, contudo, recusou a oferta. Queria continuar presa.

Após essa primeira entrevista, foi conduzida de volta ao aprisionamento.

Antes de trancá-la mais uma vez na cela da delegacia, Taís avisou-lhe:

— A senhora tem direito a responder em liberdade.

Vera voltou-se para a delegada. Com certa paz no rosto, a mãe de Lúcio retrucou:

— Eu sei, o advogado me avisou... mas também sei que posso não pedir. Prefiro assim, pois preciso alcançar a paz nessa minha vida, de algum jeito.

Taís pressionou os seus lábios, tentando esconder alguma expressão de desaprovação. Alguma coisa em sua intuição lhe dizia que aquela história estava irreal demais.

Talvez, fosse o fato de nunca ter visto alguém tão determinado a pagar por seus crimes. Ou, ainda, fosse o fato de não conseguir enxergar aquela figura de uma dona de casa simples e pacata como uma assassina.

Vera Lúcia não parecia ter o perfil de alguém capaz de realizar um crime tão complexo. Premeditar e executar o assassinato do marido sem deixar vestígios exigiria um grau de psicopatia que não era compatível com uma senhora como aquela.

De fato, a dona de casa poderia ser uma psicopata manipuladora, que estaria fingindo muito bem até aquele momento.

Em seus estudos, porém, Taís sabia que uma pessoa com a personalidade antissocial não faria tanto esforço sem obter alguma vantagem. Aliás, Vera só estava conquistando desvantagens, atirando-se aos lobos daquela maneira.

Mesmo sem conseguir chegar a uma conclusão plausível para o comportamento daquela mulher à sua frente, a delegada novata não poderia impor sua decisão. Preferiu, portanto, alertá-la:

— Pense bem, Vera. Só posso mantê-la aqui por pouco tempo. Se você continuar recusando o habeas, vai acabar indo pro presídio. E lá você não terá ninguém com tanta boa vontade como eu.

A mãe de Lúcio Mauro fechou os olhos, sem manifestar mais nenhuma reação. Entendendo a recusa de Vera, Taís fechou a grade.

Vera ainda estava de olhos fechados, de frente para a saída de seu cubículo, quando a delegada se afastou. Sentiu uma presença ao seu lado.

A mãe de Lúcio abriu os olhos, voltando-se para uma garota à sua direita. Era uma das duas prisioneiras que lhe faziam companheira de cela.

Sua aparência malcuidada e seu olhar fixo poderiam assustar Vera em outros tempos. A viúva, no entanto, já havia passado por tanta coisa naqueles dias que o rosto mal-encarado de uma criminosa não a intimidava.

De braços cruzados, a garota observava a dona de casa. Sem muita cerimônia, a jovem falou:

— Tu é louca de não querer sair daqui, mulher?

Voltando o seu olhar para frente, Vera replicou:

— Se ficar aqui e pagar por meus crimes significa ter paz, então eu fico. O mundo lá fora pode ser bem pior.

A prisioneira ao seu lado olhou para a terceira aos fundos, e ambas riram da frase da viúva. Com sorriso irônico, a jovem questionou:

— Matou teu marido e jogou no rio, não foi? Aposto que tu apanhava dele, né?

— Sim — disse Vera, ainda olhando para frente. — Apanhava e ele tinha uma amante. Fez um seguro de vida como se fosse eu. Ia me matar com a amante pra poder ficar com o dinheiro. Quando descobri que ele abusava do meu filho, não aguentei mais.

— Parabéns, tia! — falou a garota, para a surpresa de Vera. — Queria eu ter essa coragem. O filho da puta do meu namorado me usou pra pagar dívida de droga. Me ofereceu pra eu ficar levando bagulho por aí pros homem. Numa dessas festas dos traficante, acabei sendo estrupada por uns 13. E o desgraçado num fez nada. Ele era mais puta dos traficante do que eu. Devia ter feito o mesmo que a senhora.

— Falar é fácil — disse a terceira prisioneira, sentada aos fundos. — Mas só quem tá dentro disso sabe o quanto é difícil. Não é moleza virar o jogo quando a gente tá debaixo dos pés de alguém. Digo isso porque minha mãe era igual a senhora — falou, apontando para Vera. — Apanhou muito do meu padrasto. E ele já era o terceiro. Minha velha tinha que mentir direto quando aparecia com marcas no trabalho dela. Trabalhava na casa de madame. — Riu consigo mesma e suas memórias. — E o pior é que a madame era outra ferrada. Marido rico e cheio de amantes, batia na esposa. Acho que de diferente entre as duas só tinha o dinheiro. — Levantou-se, aproximando-se de Vera. — Por isso que eu também digo que a senhora tá é certa. A gente passa por isso, nossas mães passa por isso, e ninguém ajuda. Fazem de conta que não vê. Só a gente mesmo pra conseguir se livrar.

Vera deu um ligeiro sorriso. Em semanas, era a primeira vez que tinha vontade de ter aquela expressão.

Surpreendeu-se consigo mesma. Surpreendeu-se com aquelas mulheres. Eram tão diferentes, com condições e histórias de vida tão distintas. Todas, porém, com o mesmo desejo.

Não eram corretas. Eram humanas. Buscando, talvez, algum caminho de redenção para suas próprias vidas.

Parente Serpente [Livro Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora