— Eu conheço a minha irmã — continuou Ruth. — Ela é incapaz de planejar um assassinato a sangue frio. Pior ainda, arrastar o corpo do marido pro porta-malas do teu carro e jogá-lo no rio.
A jovem maquiadora aproximou-se do sobrinho. Ele era bem mais alto do que ela. Mesmo assim, Ruth não deixou se intimidar. Com seu jeito tempestivo de sempre, a irmã caçula de Vera lançou:
— E, mesmo que Verinha tenha feito uma coisa dessas, ela nunca conseguiria arrastar alguém tão pesado sozinha. — Olhando para Lúcio da forma mais firme possível, ela prosseguiu. — Foi naquele dia, não foi? Efigênia viu vocês na calada da noite. Eu tenho certeza que você ajudou Ruth. — Balançou a cabeça, em tom de desaprovação. — Não acredito que você tem coragem de deixar a sua mãe assumir toda a culpa sozinha.
Lúcio franziu o cenho, com o canto da boca tremendo. Com voz rouca, contendo a emoção, o rapaz respondeu:
— Eu nunca faria nada de mal pra minha mãe. Ela é tudo o que eu sempre tive, você sabe disso. — Parou para respirar um pouco, a fim de conter o choro iminente. — Eu já expliquei pra Maria Efigênia. Tive que voltar pro hospital de madrugada pra guardar uma solução que esqueci em cima de minha mesa. Minha mãe só me ajudou a empurrar o carro porque o motor não queria pegar. Posso provar que eu estive no meu estágio nessa noite, tem um porteiro lá que me viu. Ele me conhece, falou comigo.
O rapaz começou a se exaltar um pouco, deixando a angústia tomar conta de suas palavras. Sua fala já começava a ser prejudicada por sua vontade de chorar. Sentou-se no braço do sofá, procurando acalmar-se.
Respirou fundo, limpando as lágrimas que se acumulavam em seus olhos. Com olhar distante e voz rouca, continuou:
— Eu sei como a senhora tá se sentindo, tia. Também me sinto assim. Não consigo acreditar que minha mãe, a minha mamãe fez isso. Não consigo olhar pra imagem dela na foto, na minha cabeça, e acreditar que ela seria capaz de fazer uma coisa tão terrível assim. — Passou as duas mãos em seu rosto, querendo dissipar os sentimentos em sua face. — Só que no dia anterior de eu ter voltado ao hospital, nem tinha visto Carlos Henrique. Eu acho que tudo aconteceu antes dessa madrugada que dona Efigênia viu agente.
— Isso é fácil de saber. Basta ir no trabalho de Carlos e perguntar quando foi a última vez que ele esteve lá. E vamos ver ser o porteiro do hospital confirma o que você falou. Tem que ter pelo menos um dia de espaço entre essas duas noites pra tua história fazer sentido.
Lúcio voltou-se para a sua tia. De cenho franzido, ele a encarava com certo olhar de incredulidade, quase se sentindo ofendido. Ainda de voz fraca, o filho de Vera se defendeu:
— Vai ser difícil. O porteiro não sabe a data nem a hora exata, porque entra e sai muita gente do hospital todo dia.
— Câmera de vigilância — retrucou Ruth, seca.
— É um hospital filantrópico da igreja. Não tem dinheiro pra isso. E também...
Lúcio sentiu o celular em seu bolso vibrar. Pegou o aparelho, olhando o visor. Era uma mensagem. Após ler o texto, ele fechou os olhos, passando mais uma vez a mão em sua face.
— Não acredito nisso. — disse o rapaz. — Saí com tanta pressa do hospital que esqueci de repassar os pedidos de remédio que estavam comigo. Eu devia ter encaminhado a outro estagiário.
O jovem levantou-se, olhando para os lados e meio atordoado.
— Eu preciso voltar lá — disse Lúcio. — as solicitações ficaram todas trancadas na minha gaveta. Meu Deus! Não posso perder esse emprego.
Ruth cruzou os braços. Com um sorriso de incredulidade, ela falou ao sobrinho:
— Não acredito que você sequer vai ver a sua mãe na cadeia.
Ao ouvir as palavras da maquiadora, o rapaz voltou-se para ela. Balançando a cabeça em tom negativo, Lúcio Mauro retrucou:
— Eu não posso perder esse emprego, por que não vou ter mais o que comer se isso acontecer. Não tenho mais pai, não posso mais contar com minha mãe... — a sua voz começou a ficar embargada mais uma vez — e, pelo visto, também não posso contar com a senhora.
Lúcio deu-lhe as costas antes que as lágrimas começassem a escorrer por seu rosto. Andou até a porta de sua casa, abrindo-a.
Mesmo sem ouvir a ordem, Ruth sabia que era hora de se retirar. Andou até a saída. Parou ao lado do sobrinho, pensando em falar algo. Desistiu e caminhou até o portão, que ainda estava com o cadeado aberto.
Quando Ruth se foi, Lúcio ergueu a sua face. A sua tia já havia sumido do campo de visão. Do outro lado da rua, no entanto, o rapaz avistou outra figura.
Debruçada sobre o muro baixo de sua casa, uma senhora baixinha de óculos de aros grossos olhava na direção de Lúcio. Mesmo à distância, o rapaz podia ver certo riso de satisfação na face daquela mulher.
Maria Efigênia estava feliz por sua fofoca ter atingido o seu objetivo. Ainda, a senhora devia estar divertindo-se muito por envolver-se em um acontecimento tão chocante naquela vila pacata.
Outra mensagem voltou a capturar a atenção de Lúcio. O rapaz, portanto, apressou-se, voltando para o seu carro.
Deveria ir o mais urgente possível ao encontro da pessoa que estava lhe enviando o chamado.
Antes de dar a partida, revisou mais uma vez as mensagens de texto.
"Tudo está desmoronando. O barco está afundando, e eu vou pular antes que me afogue", dizia o recado de Ludmila; amante de Carlos Henrique e cúmplice de Lúcio Mauro.
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Parente Serpente [Livro Completo]
Misteri / ThrillerVera Lúcia é uma dona de casa moradora de uma simpática vila de subúrbio. Essa mulher, porém, vive um pesadelo nas mãos de um esposo violento e agressor. Sua história seria apenas mais uma no meio das estatísticas de violência doméstica... se não fo...