ANTES
Sentada na cadeira da mesa de jantar na cozinha, aquela dona de casa esperava o seu marido chegar do trabalho. Esperava-o como o fizera praticamente todos os outros dias de sua vida.
Em todas essas vezes, Vera havia sido sempre acolhedora, servil, atendendo aos desejos de um homem cansado de um dia de trabalho. Após tantos anos de casório, aquele fora o papel ao qual ela se submetera. Naquele exato dia, contudo, seria diferente. Ela estava diferente.
Talvez, fosse nova coragem em seu peito. Talvez, fosse aquela maquiagem a lhe mascarar como mulher confiante e corajosa. Seja qual fosse o motivo, ela não poderia se deixar mais ser tragada para aquela inexistência que Carlos Henrique a queria meter.
Sentada, portanto, esperava. Estava na hora de enfrentar com mais firmeza o seu companheiro.
Não tardou, e Carlos chegou um pouco depois das sete da noite. Ruidoso como de costume, não era sequer preciso falar para perceberem sua presença na casa.
Adentrou a cozinha pigarreando e executando o seu ritual diário. Abriu a geladeira, pegando água e anunciando que estava com fome.
Em outros dias, esse era o código para que Vera se levantasse, servisse ao marido uma cerveja no sofá e voltasse para cozinha para dispor a janta na mesa. Dessa vez, contudo, ela apenas o observou.
Carlos tomou sua água, colocou de volta a garrafa na geladeira e voltou para sala. Tudo tão automático que sequer olhou para a mãe de Lúcio. Por enquanto, Vera continuou com a rotina de sempre, servindo-lhe a cerveja e voltando para esperá-lo à mesa.
Após descansar e esvaziar a lata da bebida, Carlos Henrique voltou para a cozinha. Estacou na entrada ao ver a mesa vazia, e sua mulher sentada observando-o. Apenas nesse instante o homem saiu do automático.
Franzindo o cenho, o trabalhador questionou onde estava o seu jantar. Com uma mão, Vera indicou a cadeira que Carlos usava para sentar-se. Ainda estranhando o comportamento da outra, o marido acomodou-se em seu assento, enquanto sua esposa levantava-se.
Sem mais cerimônias, um prato foi servido. Sobre a porcelana, havia apenas um envelope.
— Mas que merda é...
Carlos calou-se ao identificar a procedência daquela carta. Tomou o conteúdo em mãos, abrindo-o. Ergueu os olhos, encarando Vera Lúcia.
A mulher estava de novo sentada à mesa. Suas duas mãos repousavam sobre o tampo do móvel, unidas. Com uma face completamente sem emoção, ela o encarava.
— Eu não tô lembrada de ter procurado uma seguradora pra fazer esse seguro de vida. E se eu fosse fazer, eu não colocaria você como o único beneficiário.
Foram poucas as vezes que Vera Lúcia vira aquele homem ficar tão desconcertado. Carlos abriu a boca, contudo não conseguia emitir nenhum som. Gaguejou um pouco, entretanto só falava coisas incompreensíveis.
A mãe de Lúcio quase podia rir por ter feito seu marido ficar daquela maneira, todavia tentou continuar séria o máximo possível. Não queria que seu sorriso insuflasse a ira de seu companheiro. Ficar irritado seria a saída mais fácil para Carlos. Vera, portanto, continuou apenas a observá-lo.
Também sem proferir mais nada, a mulher levantou-se, caminhando para a sala. Ao passar por detrás do seu esposo, foi detida pelo braço. Ainda confuso, Carlos questionou:
— E o meu jantar?
— Na geladeira — disse Vera, sem muito cuidado ou emoção.
Quando já tomava impulso para soltar-se, sentiu o punho daquele homem segurar o seu braço com mais força. Carlos franzia o cenho, já espantando o susto de sua face, enquanto questionava:
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Parente Serpente [Livro Completo]
Mystery / ThrillerVera Lúcia é uma dona de casa moradora de uma simpática vila de subúrbio. Essa mulher, porém, vive um pesadelo nas mãos de um esposo violento e agressor. Sua história seria apenas mais uma no meio das estatísticas de violência doméstica... se não fo...