Giulia

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- Certamente é o ano de 2016, me levanto da cama bruscamente num quarto estranho, observo o local, um apartamento tipo flat, quarto andar, abaixo a rua movimentada, carros e pessoas circulando, vejo o céu azul, me toco e sinto-me diferente, caminho até banheiro onde me vejo no espelho e surpreso, contemplo o verdadeiro jovem de vinte anos que fui, um pouco diferente, talvez mais forte fisicamente ou até mais bonito mas, sou eu mesmo, caminho pelo quarto que não reconheço como o meu, é mais amplo e tem móveis e aparelhos eletrônicos sofisticados, olho para o criado mudo ao lado da cama e tem um aparelho que a muito eu havia esquecido, todos se comunicavam e se conectavam por meio dele, o chamavam celular e sobre uma mesa de estudo há computador portátil que denominávamos notebook, abro a tela dele e faço um esforço e consigo acessar algumas informações de minha mente desta realidade alternativa, porém a senha deste aparelho eu digito de forma automática o que me surpreendeu, a tela se ilumina mostrando primeiro uma saudação -Bem vindo Gustavo Zanetti- meu antigo nome antes de ser denominado ZX96046 ou simplesmente ZX, em seguida surge um wallpaper onde apareço ao lado de uma linda e sorridente jovem de traços italianos, cabelos lisos e negros, pele muito alva, sobrancelhas e olhos azuis insinuantes aparentando ser tão jovem quanto eu.

- Fiquei um tempo olhando a imagem, em dúvida, se estaria vivo em outra dimensão mesmo, ou estaria em coma na estação e nada disso seria real, ou estaria morto em algum plano de existência.

- Ligo a tela que neste tempo era chamada televisão e vou passando os canais vendo as notícias da época e percebo que este mundo no ano de 2016, ao contrário do meu, na mesma época, não demonstra nenhum indício de estar caminhando para o caos, as pessoas seguiam suas vidas como se nada fosse nunca mudar, elas parecem mais sofisticadas e atraentes.

- Olho para o celular são sete horas da manhã. Uma coisa me chama a atenção, o aparelho que está em minha mão sem nenhuma sensação de calor começa a derreter e ao olhar em volta as paredes também começam a derreter junto com tudo mais no quarto, eu próprio estou derretendo e ao mesmo tempo tudo vai se comprimindo até que minha própria consciência começa a apagar, meus últimos pensamentos foram: Isto eu já era esperava, são os efeitos da adaptação da minha mente que se fundi à minha outra mente deste mundo paralelo, isto se a teoria do transporte de mentes estiver correta, senão, eu realmente estou morto e agora é o fim mesmo, a inexistência.

-Não sei dizer quanto tempo fiquei na inconsciência, mas aos poucos vou retornando, primeiro me sinto consciente, mas não consigo me mover, até fazer um esforço e acordar bruscamente, me sentindo na mesma cama confortável, mas agora não estava só, percebo que estou deitado ao lado de uma garota que está de costas para mim, sinto a fragrância que emana de seus cabelos e sinto também a textura de sua pele macia, ela sente que acordei bruscamente e muda de posição se voltando para mim, abre um belo sorriso e diz .

- O que foi? Teve um pesadelo?

Me beija carinhosamente, fica de bruços apoiando a cabeça com a mão apoiando a cabeça, ainda um pouco confuso pergunto estupidamente.

- Como vim parar aqui?

Ela diz - como assim, Gustavo? Este não é teu flat? Tá de brincadeira?

- Diz isso se levantando e caminhando até a janela só de calcinha, percebo que ela, além do rosto, tem um corpo lindo também, é esbelta e está com um celular na mão, faz uma posse e dispara um flash, aciona a coisa e o outro celular que está sobre o criado mudo acusa o recebimento de uma mensagem, pego e abro a mensagem onde junto à foto sorridente ela escreve uma nota:

-Bom dia- com uma imagem de um coração.

Tive uma lembrança remota, muitos anos atrás todos adoravam este aparelhinho.

- Busco na memória do Gustavo deste mundo, que não é o Gustavo do meu passado e percebo a forte ligação dele com esta garota, e eu rapidamente entendo tudo. O momento em que ele ou melhor, meu outro eu a conheceu, na biblioteca de minha faculdade onde ela sentou do meu lado e demonstra interesse num livro que eu lia que estava sua lista de leituras recomendadas, apesar dela não estudar na mesma faculdade que eu, desde este dia ocasionalmente nos encontrávamos e fazíamos passeios tendo conversas agradáveis nos campus de minha faculdade ou na dela. Até o dia que a convido para sair. Pude buscar na memória do Gustavo deste mundo, ela entrando sorridente no carro dele, que sou eu mesmo, era o primeiro encontro, um jantar, em outras ocasiões depois, eles se divertindo numa boate, e depois de muita sedução a primeira noite de amor, ela uma garota totalmente de família com uma única amiga era virgem e o primeiro adormecer juntos no flat. Revia tudo isso, mas ainda não reconheço estes momentos como meus, na época em que fui jovem nunca vivi isso, e nem poderia, não estou no meu passado. A jovem pula na cama e me encara com seus lindos olhos azuis, um olhar penetrante, que eu desvio, achei estranho ela estar me traindo comigo mesmo, neste momento começo a perceber que minha essência está se adaptando a uma mente jovem e que aos poucos vou recuperando os sentimentos de meu outro eu, mas não tão rapidamente como gostaria.

- Você está tão estranho, está tudo bem entre nós?

-Disfarço - sim está tudo bem, e com você?

-Estou tranquila- diz isso sem muita convicção - ela está deitada de barriga para baixo com as mãos sobre o queixo apoiando a cabeça balançando as pernas cruzadas -Adorei a noite...E você?

- Eu?

- Sim, você Gustavo - vira os olhos num gesto de impaciência - você gostou?

- Sim gostei muito...

- Você está tão diferente de ontem à noite, parece outra pessoa, está frio comigo - faz beicinho e me olha séria franzindo a sobrancelha.

- Depois faz uma carinha triste, eu toco seu queixo e digo - não é nada disso, eu gosto muito de estar com você - vejo que o Gustavo deste mundo está com a semana cheia de compromissos, então digo - esta semana estou com uns projetos que temos que avançar, só isso.

- Dizer isso não a deixou mais feliz, pois ela se levantou, se vestiu rapidamente calada com um ar contrariado e diz que eu não precisava leva-la em casa, que eu ligasse quando estivesse mais animado e sai batendo a porta.

- No momento não dei muita importância por ainda achar que tudo está tão perfeito que nada daquilo poderia ser real, embora tenha lamentado já chegar bagunçando a vida do meu outro eu se estiver enganado e tudo for realidade mesmo. Sentei na mesa de estudo, liguei novamente o computador e chequei várias informações sobre o eu deste mundo e para minha surpresa, algumas batiam com aquilo o que eu vivi, outras, a maioria, não, eu ainda estudo na mesma faculdade de tecnologia, a cidade Enseada, uma importante cidade litorânea do Sul do Brasil é a mesma, mas não me lembro deste apartamento e nem desta garota, pelo menos de forma real como a estava vendo, abro vários arquivos de trabalhos científicos referentes à Física Quântica, e transporte de consciências, é muito mais material do que eu tinha e os tratados e gráficos são mais detalhados, me pergunto como aquilo foi parar ali, verifico os vídeos e abro um arquivo chamado Giulia, este era o nome dela. Checo a data do vídeo com a que aparece na barra do notebook. Apenas uma semana atrás.

- A câmera está na mão dela, ouço sua risada sexy me filmando num parque muito bonito, mas vazio e com um clima cinzento, devia ser inverno, pois estamos vestidos com casacos, moletom, e gorros, ela se aproxima e me dá um beijo na bochecha, nós dois encaramos e câmera e sorrimos, ela me passa a câmera e abre os braços contemplando a paisagem, porém noto que atrás dela a alguns metros adiante, um homem alto todo de preto com um chapéu antiquado como aqueles que se usava séculos atrás, nos observa, por alguns segundos a câmera fixa nele, mas a imagem não é nítida e não consigo perceber seu rosto, então ela vem em minha direção pega a câmera e diz -filma deste lado querido, eu digo - espere um pouco tem um cara aqui... Foco para o local e o cara não estava mais lá, pergunto a ela­­ ­­- você viu aquele cara? Ela diz - que cara? Eu digo - o de preto, que estava nos observando, - você não o viu? Ela diz -não vi nada - me olha e balança negativamente num gesto do tipo não vi nada mesmo, a filmagem para.

Existem outros arquivos de vídeo, abro um outro, a câmera liga e ela diz - olha para câmera querido, eu olho e de brincadeira arregalo os olhos, ela dá uma risadinha e diz -um sorriso por favor, eu sorrio para a câmera, a campainha toca, fecho o computador e olho no visor da porta, definitivamente eu conheço esse cara,seu nome é Marcus, ele era meu melhor amigo.

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