− Você é uma artista, querida – ele falou com um sorriso amável nos lábios.
− Lixar, pintar e polir não é arte, Pepe – respondi enquanto terminava de restaurar mais uma peça comprada no último leilão.
− Restaurar é arte, querida. Você tem que ser um artista para entender outro artista e conseguir restaurar e muitas vezes recriar sua arte, e você faz isso com maestria. Cada detalhe é respeitado. A peça fica perfeita em suas mãos.
− Acho que você está só me elogiando para que eu restaure sozinha todas essas peças – falei olhando para a prateleira comas últimas aquisições da loja.
− Não seria uma má ideia – respondeu piscando o olho para mim. – Você não tinha que pegar a pequena Sky no Ballet? – perguntou depois de observar o relógio cuco na parede.
− Meu Deus, é verdade. Tenho que correr – falei limpando as mãos em um pano tão sujo quanto as minhas mãos. Olhei para a minha roupa, espanando o pó causado pela madeira e tinta que foi removida da pequena estatueta de madeira. A blusinha branca de alcinhas estava com manchas de tinta por toda parte. A calça jeans era velha e com rasgos nos joelhos. Era uma das minhas peças dos tempos de adolescente. Minhas roupas não haviam mudado muito nos últimos tempos, foi uma das poucas coisas que meu pai deixou eu levar, ainda me vestia, a maior parte do tempo como um adolescente. Não tínhamos condições de comprar roupas, o pouco que sobrava eram para os ternos de Bruce, ele precisava estar apresentável. Não costumava buscar minha filha com aqueles trajes, mas hoje não teria tempo para trocar de roupa e colocar um vestido sóbrio e descente que reservava para esses momentos. Dei um beijo na bochecha de Pepe e corri até o meu Wolksvagem. Demorei para dar a partido, precisava levar o carro ao mecânico, urgente. Mas estávamos em contenção de despesas, Bruce esperava por uma promoção, enquanto ela não vinha, ia ter que continuar rezando toda vez que dava a partida. Mamãe me deu dinheiro, no último Natal para comprar um carro novo. Eu preferi deixar na poupança para alguma emergência. Mas Bruce resolveu comprar o carro, sabia que se houvesse uma emergência mamãe nos socorreria, eu não gostava disso. Queria provar aos meus pais que éramos capazes de seguir nossas vidas sem o dinheiro deles. Mas com o salário que recebia no Antiquário do Pepe e o salário do Bruce não conseguíamos nos manter. Bruce tinha muitos gastos com o emprego, roupas caras, jantares com executivos, dizia que era um investimento. Eu era a que controlava as despesas da casa e fazia milagre com o meu salário na Loja do Pepe. Pepe foi empregado da nossa família durante a minha infância, trabalhava nos jardins e fazendo pequenos consertos. Olga, sua esposa, na cozinha. Eles resolveram montar o seu próprio negócio, começaram com os móveis que acumularam durante os anos trabalhando nas casas de pessoas ricas que descartam antiguidades como se fossem lixo. Pepe tinha o olho clínico para essas coisas e era apaixonado pelo passado. Aos poucos sua casa virou um belo acervo de raridades. Alugaram uma pequena loja em um bairro cult da Capital e levaram seus pertences para lá. Moraram durante um bom tempo em uma pequena peça nos fundos. Hoje são donos do prédio todo. Moran em um apartamento em cima da loja e ele é um dos mais respeitados curadores de leilões da cidade. Ele soube da minha situação e me ofereceu um emprego, comecei como atendente da loja, hoje trabalho com ele nas restaurações. Pepe era o pai que meu pai não soube ser. Ainda doía lembrar as palavras do papai proferidas em um momento de ódio, na última vez que nos vimos. Antes de Sky, seis anos atrás.
Eu tinha dezessete anos quando conheci Bruce. Ele tinha vinte e três. Foi em uma festa na casa de uma amiga, Summer. Ele era amigo do irmão mais velho dela. Naquela noite eu dei meu primeiro beijo. Fiquei apaixonada. Começamos a nos ver escondidos, não pensei que meus pais fossem se importar com sua condição social. Bruce foi criado por um pai relapso, a mãe morreu quando ele tinha sete anos. Teve uma vida difícil, trabalhava como mecânico em uma oficina, conheceu o irmão de Summer em uma balada. Não demorou para se tornarem amigos e Bruce começar a frequentar a mansão da família. Perdi minha virgindade uma semana depois. E quis que meus pais conhecessem o homem da minha vida. Meu erro, papai o expulsou de casa, o tratou com desprezo o acusou de mau caráter e ameaçou chamar a polícia por ter se envolvido com uma menor de idade. Eu fui chamada de irresponsável, decepção, burra, inconsequente e outros adjetivos que prefiro esquecer. Então fiz o que o coração de uma adolescente apaixonada mandou, fugi de casa e fui atrás dele. Ele morava em um quartinho nos fundos da mecânica. Era um lugar imundo. Disse que me amava mas que eu deveria ir com os meus pais. Que ele não podia me dar a vida que eu merecia. Eu disse que não me importava, que bastava estar com ele. Naquela noite a polícia invadiu a casa de Bruce, eu fui levada de volta para a casa dos meus pais e ele para a cadeia. Eu odiei meu pai. Foi minha mãe que intercedeu e Bruce foi solto no dia seguinte. Sob ameaça de ser enviada para um colégio interno, prometi que não o veria mais. Menti. Continuamos nos encontrando. Aos dezoito anos sai de casa para morar com ele, grávida da Sky. Meu pai não pode fazer nada, eu me emancipei e era dona da minha vida e a minha vida era o Bruce. Papai rompeu definitivamente comigo. Mamãe tem nos amparado desde então. Não esconde isso do meu pai, ela impõe sua vontade, apesar de não concordar com o meu casamento, pensa que o Bruce é um canalha que está comigo apenas pela minha herança. Ela esquece que fui deserdada pelo meu pai, se Bruce quisesse realmente o meu dinheiro já teria desistido. Mas mamãe é a única pessoa do meu passado que me procura. Nem parentes, nem amigos. Todos me esqueceram quando vim para o outro lado da cidade, o lado das pessoas que acordam cedo para trabalhar, que fazem as contas antes de entrar em uma loja para ver se os trocados que tem na carteira darão para comprar o sapatinho que a filha precisa. Das pessoas que fazem lista para o supermercado e vão cortando os supérfluos conforme a registradora vai mostrando o subtotal.
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Histórias de Desamor
RomansaUma serie de encontros e desencontros de pessoas que só queriam viver uma história de amor.