Toda a minha escola tem cor cinza. Eu adoro essa cor, mas não vou negar que ficar horas olhando para as paredes acinzentadas não seja para lá de deprimente. Um pouco de tonalidade não faz mal a ninguém. Pelo menos, não faria mal a minha pele.
O Colégio Eliodora foi fundado pela minha família (oh, que novidade!), há uns sessenta anos. Presente do meu avô, para minha vó Eliodora. Ela era apaixonada por educação, e suponho que foi daí que saiu o gene de Pedro. Atualmente, é o melhor colégio da região, o único que compete de igual para igual com os grandes nomes de Belo Horizonte, e, por isso, é comum vermos pessoas de todos os cantos de Minas Gerais vir para Ponte Belo para estudar.
O prédio é imponente, grande, espaçoso e bem arborizado. Tudo isso foi possível porque minha vó defendia uma educação mais humana. E não ficou feliz até chegar no resultado que queria. Ao menos, é isso que as pessoas dizem para mim, porque nunca a conheci. As pessoas estão sempre dizendo coisas para mim sobre minha família.
É uma boa escola, na medida do possível. O ritmo de estudo aqui é bastante intenso e não há privilégios nem para quem é uma Vale – na verdade, a experiência tem me provado que ser uma Vale só piora a vida dentro dessas paredes cinzas.
O colégio é em tempo integral, pela manhã temos as aulas oficiais; na parte da tarde nos dividimos em turmas especiais, que variam desde aulas de teatro até matemática financeira ou avançada. Também é o único colégio que tem uma aula extra de matemática doméstica – e eu me recuso a falar sobre isso. Os melhores das turmas dão monitorias, todas as sextas-feiras. E a educação física é sempre na parte da tarde, infelizmente, porque é óbvio que é minha aula preferida.
— Que horas você sai hoje? – pergunta Amanda, na hora do intervalo de vinte minutos para lancharmos.
Estamos na quadra, que é onde eu e minha turma adoramos nos sentar. Eles não são propriamente meus amigos, para ser bem sincera. Mas dividimos a maior parte do nosso dia, e somos uma sala de terceiro ano de apenas 15 pessoas, então é inevitável que sejamos próximos de todos.
Há um ponto positivo no Colégio Eliodora: como minha família não precisa ganhar dinheiro com a educação, e está mais preocupada com a fama e as reportagens que isso pode dar, as salas nunca tem mais do que 20 alunos. Tudo bem, talvez o preço exorbitante do material escolar deixe a coisa toda bem seletiva. Mas, de verdade, o Colégio dá muito mais prejuízo pros Vale do que lucro – pelo menos é isso que meus tios sempre resmungam nas reuniões familiares.
Por que eles não se livraram desse prédio imponente? Cláusula de testamento. Quem vender, se desfazer, ou, principalmente, fazer o rendimento do Eliodora cair substancialmente, perde toda a herança. E se tem uma verdade universal é que você pode mexer com toda a família Vale, que é bem capaz deles te ajudarem a criticar os outros, mas nunca toque no dinheiro deles.
O que eu posso dizer? Minha vó era mesmo uma mulher inteligente.
— Só tenho as aulas da manhã – dou de ombros enquanto mordo meu sanduiche.
— Tu é uma puta sortuda mesmo – fala Pietra, ao meu lado.
As duas são as mais próximas de mim. Amanda tem os olhos tão pretos quanto seu cabelo, e não bate nem no meu ombro. As suas bochechas estão sempre rosas, e sua pele é mais branca que a minha, como se isso fosse mesmo possível, o que a faz parecer uma boneca que pode se quebrar a qualquer momento. Pietra, por outro lado, tem os cabelos cacheados revoltadíssimos, que nunca ficam sossegados na sua cabeça, o que dá a ela uma aparência de leão pronto para atacar. As duas são ricas, é claro. 98% dessa escola são ricos.
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Relicário
Teen FictionVENCEDOR DO THE WATTYS 2017, NA CATEGORIA "ORIGINAIS" Dafne era uma Vale e, como tal, devia se esforçar para perpetuar o modelo perfeito de família tradicional brasileira que tinha. Pelo menos, era isso que seus pais berravam para ela, toda vez que...