Sim, eu estou numa festa. Como isso aconteceu é algo que meus neurônios ainda não conseguiram processar. Mas, ao que parece, meus pais acharam uma excelente ideia eu socializar, só para variar. Porque isso poderia sair nos jornais e era ótimo para os negócios. Ao que parecia, os negócios não estavam indo muito bem...
— Você tem que entender que estamos em época de crise – fala meu pai, enquanto meu irmão assentia ao lado dele como um brinquedo a pilha que teve um bug no sistema – E qualquer coisa que fizermos tem de ser um motivo de marketing para a empresa como um todo.
— Dafne ir a uma festa pode ser realmente bom. As pessoas da cidade gostam dela de um jeito que nunca gostaram de nenhum outro Vale – concorda meu irmão, fazendo a sua maior cara de sábio (que, na verdade, era bem patética. Provavelmente porque Paulo é o ser mais patético do mundo).
— Como ela pode ser a preferida é um questionamento que ninguém consegue responder – fala Patrícia, com cara de desprezo.
Certo, correção. A pessoa mais patética do mundo é minha irmã. Paulo é apenas o segundo. Mas não vou ficar triste com isso, já que o prêmio continua na família...
— É que ela é mesmo muito bonita, Patrícia – minha mãe diz – E todo mundo admira o que é belo.
— Eu sou muito mais.
Uma palavra para tudo isso: preguiça.
Então quando Amanda aparece na minha casa eu fico quase feliz por ter interrompido essa conversa digna de uma filme muito ruim, muito clichê e muito forçado, daqueles de baixo orçamento, com atores muito meia-boca que é minha família. Era como conversar com as fotografias do jornal, só que no caso elas mexiam e não de um jeito charmoso como as fotografias do mundo bruxo. Na verdade, eu preferiria que eu não tivesse que conviver com meus pais e meus dois irmãos em modo gif. JPEG estava de excelente tamanho, pode apostar.
Amanda estava com um vestido justo e preto no corpo e um salto tão alto que por muito pouco ela não atingiu meu tamanho. Coragem, tem que ter coragem pra usar um salto daqueles sem medo de cair em público. Como minhas habilidades para além das linhas da quadra são duvidosas, eu enfio um coturno no pé antes de sair.
— Pelo amor da moda! Não é possível que você quer mesmo sair assim?! – guincha minha irmã quando me vê.
Não há nada demais com meu jeans boyfriend e minha camisa estampando Nirvana, então não entendo muito bem qual é a crítica da minha irmã.
Certo, tudo bem. Eu nunca entendo as críticas de moda da minha irmã. Patrícia é o tipo de pessoa que está com um vestido Dolce no corpo, enquanto está jogada no sofá da sala mexendo no celular sem fazer nada. Ela também é o tipo de pessoa que está de salto quinze e fino no pé, mesmo que não vá a lugar algum.
Sinceramente, não dá para confiar em qualquer crítica que venha de um ser humano assim.
— Você devia, pelo menos, passar uma maquiagem no rosto – pondera meu irmão – Pra ficar melhor nas fotos.
— Fico feliz com as dicas, mas não, obrigada – reviro os olhos.
— Você gosta de nos causar desgosto, não é? – minha mãe, que também está irritantemente arrumada para ficar em casa, faz um muxoxo – É como uma versão feminina e loira de Pedro – faz uma careta.
— Deixe a garota – fala meu pai, dando de ombros, o que me faz olhar para ele com mais atenção porque doutor Simas jamais fica ao meu lado – É assim que a cidade gosta dela. Faz com que as pessoas se sintam mais próximas, já que ela se veste como a maioria das pessoas. Essa garota sabe mais de marketing que todos vocês – e me sorri.
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Relicário
Teen FictionVENCEDOR DO THE WATTYS 2017, NA CATEGORIA "ORIGINAIS" Dafne era uma Vale e, como tal, devia se esforçar para perpetuar o modelo perfeito de família tradicional brasileira que tinha. Pelo menos, era isso que seus pais berravam para ela, toda vez que...