ONZE

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— Você sempre vomita depois dos jogos? – Emily pergunta, quando meu corpo para finalmente de sacolejar e eu paro de cuspir um líquido esbranquiçado de gosto azedo.

De tantas perguntas para se fazer, é essa que a Garota-dos-Cabelos-Azuis expõe, com um sorriso debochado de canto. Tenho vontade de bufar, mas estou fraca, estou cansada, meu rosto dói e tudo roda a minha volta de um jeito que me faria vomitar de novo, caso eu ainda tivesse alguma coisa no estômago para colocar para fora.

Tenho certeza de que os jornalistas não me achariam Musa, se me vissem agora.

Pensando bem, era melhor eles não me verem mesmo nesse estado.

— Sempre fico enjoada. Nunca vomito – respondo.

— É sempre bom saber que estamos diante da primeira vez de alguém – ela dá de ombros.

Sinto meu rosto corar ao mesmo tempo que meu sangue congela, então desvio meu rosto para não precisar olhar para aqueles olhos azuis cruéis que me encaram. Há em Emily alguma coisa doída, sem nome, que perpassa seu corpo e reflete em seu olhar, que eu mesma não sou capaz de nomear. Talvez a dor dela seja justamente essa: aquela inominável. Talvez a bolada em meu rosto foi muito mais forte do que eu pudesse aguentar e por isso estou pensando coisas sem qualquer sentido.

— As pessoas dessa cidade gostam mesmo de você, não é? – ela volta a encostar-se no poste, encarando o mesmo horizonte que eu.

— Elas gostam de gostar – respondo.

What a hell?!

Dou um sorriso sacudindo os ombros. Todo meu corpo dói pelo esforço que fiz no jogo, mas a tonteira diminui um pouco. Consigo sentir meu nariz, o que é um bom sinal, mas é incômodo respirar por ele. Tento não entrar em pânico porque o médico disse que não quebrou – só deslocou alguns milímetros que ele consertou na hora do jogo mesmo, com o que ele chamou de chave de nariz. Provavelmente era uma piada interna dos paramédicos, porque eles riram. Eu não achei graça nenhuma.

— Elas gostam de gostar porque gostam de dizer: sou amiga de Dafne Vale, aquela que não sai das capas dos jornais.

Emily arqueia a sobrancelha castanha para mim, franzindo o cenho, com uma expressão desacreditada no rosto. Sei que é desacreditada, porque é a mesma expressão que faço quando meus pais me lembram que eu devo comemorar pela minha incrível popularidade e beleza.

Comemorar por eu ser uma jogadora de vôlei incrível, no entanto, era soberba demais para meus familiares.

— Que vida de bosta a sua, não é? – ela fala por fim.

Então, eu rio.

O som sai da minha garganta antes que me dou conta disso, e Emily segue a minha risada. A risada dela é engraçada, fina, quase histérica, seu corpo se sacudindo a cada movimento que termina com um pequeno puxar esganiçado de ar no final, como um relincho de filhote. Perceber isso me faz rir mais. Coloco as mãos nos meus joelhos até a vontade de rir passar.

Quando passa, eu a encaro novamente e digo:

— Notícias da sua irmã?

Todo o corpo de Emily muda de postura na mesma hora, como se ela tivesse levado um tiro pelo qual não estava preparada. Seus olhos azuis ficam quase foscos e ela faz uma careta, desviando o rosto outra vez.

— Aparentemente, viva – é a resposta que ela dá. Quando eu fico muda, ela completa – Ao menos, foi isso que sua cunhada me disse, pouco antes do jogo.

— Você acha que ela pode estar mentindo?

— Não sei. Você a conhece melhor do que eu. Me diga você.

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