Na segunda-feira, o treino de vôlei é tão intenso que quase não sinto meus braços ao final de quatro horas. Sinto minhas pernas, que parecem pesar toneladas, mas não consigo erguer a mão, a sensação de dormência percorrendo meu corpo inteiro.
— Puta que pariu – Lavínia diz, deixando o corpo cair na quadra.
— Vocês andam muito frescas – é o que Melissa responde, entortando a boca – Quarta-feira nós viajamos para o Rio de Janeiro e eu não quero ninguém chegando aqui atrasada. Ok? Sete horas em ponto sairemos da UFBelo, e quem não estiver aqui, vai ficar aqui
— Eu não acordo tão cedo assim desde que formei no ensino médio – resmunga Helena.
— Bem-vinda a vida adulta – Mel bate nas costas dela – Não enrolem muito porque o time de futebol pode chegar a qualquer momento e vocês sabem como eles são quando encontram a quadra ocupada. E retirem a rede!
— Meu sonho era vê-la parar de mandar tanto e fazer esse trabalho sujo – Bruna revira os olhos – Eu nem consigo erguer meu braço mais do que aqui – ela levanta até a altura da cintura.
— Vamos pensar pelo lado positivo, gatas, dois dias no Rio de Janeiro. Espero que esteja quarenta graus. Eu quero uma praia.
— Minha nossa, você ficou maluca? Imagina jogar numa temperatura dessas! –Lavínia quase grita – A Dafne vai virar um camarão.
Todas riem e eu reviro os olhos.
— Vermelho combina com você? – Lavínia pisca para mim.
— Engraçadinha – reviro os olhos.
— Vocês acham que a gente espera os garotos chegarem e suspiramos pedindo ajuda? – Helena resmunga – Eu realmente não vou conseguir tirar essa rede daí.
— Vai em frente. Mas se decidir isso me avisa, pra eu ir embora antes.
— Problemas com homem, Lavi? – pergunta Bruna.
— Sempre tive – ela dá de ombros e eu arqueio a sobrancelha pra ela – Fala sério, Daf, você não sabia que eu sou bi?
— Ahn... não?
As garotas riem.
— Dafne, você é tão ingênua – Helena balança a cabeça – Você nunca viu como a Lavigirl te olha quando tá no chuveiro coletivo?
Sinto minhas bochechas queimarem, mas Lavínia apenas revira os olhos, enquanto levanta do chão.
— Deixem de ser babaca. Dafne nem é meu tipo de mulher. Branca demais.
Sinto minhas bochechas queimarem ainda mais e abaixo a cabeça, tentando me esconder, já que não conseguia mesmo sair correndo com minhas pernas tão pesadas e dormentes como estavam. As garotas voltam a rir e tudo que desejo é cavar um buraco para me esconder pelas próximas cem horas.
— E eu também não faço o tipo de Dafne – recolhe a bola.
— E a Daf tem um tipo? – Liz questiona – Eu nunca vi essa garota com nenhuma pessoa, nem homem, nem mulher. Você é assexual?
— Hein? – pisco os olhos para ela.
As garotas riem de novo e eu decido que era melhor ajudar Lavínia recolher as bolas e a rede da quadra, para que essa conversa acabe mais rápido e eu pare de ser o centro do assunto. Quer dizer, para começar, por que estou sendo o centro do assunto?
— Vocês são muito chatas – Helena revira os olhos – Ela só tem dezessete anos. Por que deveria colecionar beijos na boca?
— Sempre colecionei beijos na boca – Bruna dá de ombros – Na idade dela, já tinha pegado todos os garotos da minha sala.
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Relicário
Teen FictionVENCEDOR DO THE WATTYS 2017, NA CATEGORIA "ORIGINAIS" Dafne era uma Vale e, como tal, devia se esforçar para perpetuar o modelo perfeito de família tradicional brasileira que tinha. Pelo menos, era isso que seus pais berravam para ela, toda vez que...